Jamil Chade

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Musk tentou silenciar críticos, pesquisadores e censurar uso de dados

O bilionário Elon Musk tentou silenciar os críticos, pesquisadores e dificultar o uso de dados da plataforma X — mas, nas cortes americanas, foi derrotado.

No final de março, um juiz federal da Califórnia rejeitou o pedido do empresário que tentava, na Justiça, prejudicar institutos que publicam avaliações sobre o comportamento de sua rede social, principalmente no que se refere a conteúdos tóxicos.

O caso envolvia o CCDH (Center for Countering Digital Hate) especializado em alertar sobre o discurso de ódio nas redes sociais.

Musk alegava que a publicação de um informe por parte da entidade afugentou publicidade, patrocinadores e investidores. No levantamento, a instituição mostrava que a plataforma não retirava do ar conteúdos que disseminavam o ódio, mesmo depois de identificados.

De acordo com o estudo:

a empresa não tomou medidas contra 99 das 100 contas verificadas por meio do X Premium (anteriormente chamado de Twitter Blue) quando violações de discurso de ódio foram identificadas;

o volume de postagens contendo insultos aumentou em até 202% desde que Musk assumiu o controle do Twitter;

o número de postagens insinuando a ligação do termo "aliciamento" e pessoas LGBTQ+ mais do que dobrou nesse período;

a verificação paga está "ajudando a espalhar desinformação".

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Nas cortes dos EUA, a rede social alegou que os dados tinham sido obtidos de forma ilegal. Para a Justiça, porém, era "evidente" que Musk tentava "punir" a instituição pela publicação do informe e "dissuadir outras" a não adotar a mesma postura crítica contra a plataforma.

"Às vezes, não fica claro o que está motivando um litígio, e somente lendo as entrelinhas de uma reclamação é que se pode tentar supor o verdadeiro objetivo do reclamante", escreveu o juiz Charles Breyer, em sua sentença, obtida pelo UOL. "Outras vezes, uma reclamação é tão descarada e veemente sobre uma coisa que não há como confundir esse objetivo. Este caso representa a última circunstância. Este caso trata de punir os réus por seu discurso", afirmou o magistrado.

Não é verdade que a reclamação se refere apenas à coleta de dados. É impossível ler a reclamação e não concluir que a X Corp. está muito mais preocupada com o discurso da CCDH do que com seus métodos de coleta de dados.
Charles Breyer, juiz em decisão contra a empresa

Entidades comemoram

Cabe ainda recurso, mas a decisão abre um precedente que passou a ser comemorado por dezenas de entidades nos EUA processadas pelo empresário, num esforço da plataforma para silenciar qualquer questionamento a sua atuação.

Assim que assumiu a empresa e comprou o que era o Twitter, Musk ameaçou abrir processos por difamação e levou aos tribunais a entidade Media Matters, que havia denunciado o conteúdo neonazista e antissemita da plataforma.

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A decisão do tribunal reafirma que as proteções vitais da Primeira Emenda se aplicam a pesquisadores e jornalistas que usam ferramentas digitais para informar o público sobre as práticas de plataformas poderosas.
Esha Bhandari, vice-diretora de projetos do Projeto de Discurso, Privacidade e Tecnologia da ACLU (sigla em ingês para ONG União Americana pelas Liberdades Civis)

Sua entidade foi uma das que lideraram a defesa dos institutos de pesquisa no processo aberto por Musk. Apoiaram ainda o caso a Electronic Frontier Foundation e a Universidade de Columbia.

Essa é uma decisão importante que vê o processo de Elon Musk pelo que ele é -- um esforço para punir seus críticos por discurso constitucionalmente protegido e para impedir que pesquisadores estudem sua plataforma.
Alex Abdo, diretor de litígio da Universidade de Columbia

"A sociedade precisa de pesquisas confiáveis e éticas em plataformas de mídia social e, muitas vezes, essas pesquisas dependem da possibilidade de estudar publicações disponíveis publicamente. A ação judicial de Musk colocou em risco esse tipo de pesquisa", disse Abdo.

As pesquisas desses institutos são consideradas como informações cruciais para que os reguladores tomem medidas coercitivas.

Para as entidades que comemoraram a derrota de Musk, a pesquisa de interesse público "serve como um mecanismo de responsabilidade fundamental para revelar as opções de moderação de conteúdo e as políticas e práticas de privacidade das plataformas".

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O tribunal percebeu, com razão, a tentativa da X de distorcer a Lei de Fraude e Abuso de Computador e a lei contratual para retaliar uma organização sem fins lucrativos que publicou relatórios críticos sobre conteúdo de ódio na X
Cindy Cohn, diretora executiva da Electronic Frontier Foundation

Esse processo nada mais foi do que uma tentativa vã de impedir a pesquisa independente em uma plataforma influente de mídia social. A decisão do tribunal é um lembrete muito necessário de que a liberdade de expressão inclui o direito de investigar e criticar Elon Musk e a X
Jake Karr, vice-diretor da Technology Law & Policy Clinic da NYU, que ajudou a preparar o documento de defesa

Para ele, a decisão serve como exemplo contra empresas do setor de tecnologia que estejam tentando "abusar do sistema jurídico dos EUA para silenciar críticas e fugir da responsabilidade pública."

Os problemas não estão encerrados com o caso na Califórnia. Outra estratégia de Musk questionada foi a de tornar quase impossível que pesquisadores tivessem acesso aos dados da plataforma para que pudessem examinar seu comportamento. Desde que comprou a rede social, ele passou a cobrar até US$ 2,5 milhões por ano por dados.

Para centros universitários e pesquisadores, isso passou a ser proibitivo.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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