Jamil Chade

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Reportagem

X faz do Brasil base da extrema direita para rebater guerra à desinformação

Na última quarta-feira (10), numa das salas no Parlamento Europeu, em Bruxelas, um encontro reuniu membros da extrema direita europeia e uma delegação brasileira liderada por Eduardo Bolsonaro. Oficialmente, o motivo do encontro era "denunciar" a "ditadura no Brasil".

Esvaziado, o local foi palco de discursos feitos apenas para aliados, enquanto "jornalistas independentes" produziam vídeos para alimentar as redes de cada um dos poucos participantes.

Num certo momento do encontro, repleto de cadeiras vagas, a deputada húngara Eniko Gyori tomou a palavra e afirmou: "Espero que possamos aumentar a voz depois das eleições europeias. Vocês [bolsonaristas] têm amigos na Hungria. Não se esqueçam disso".

De fato, ninguém havia esquecido a polêmica sobre a estadia de Jair Bolsonaro na embaixada da Hungria, em Brasília. Gyori foi secretária de Estado de Viktor Orbán entre 2010 e 2014 e é uma das mais estridentes defensoras das pautas da extrema direita no Parlamento Europeu.

Os poucos parlamentares europeus tomaram o microfone para fazer uma apologia ao bolsonarismo e repetir à exaustão a narrativa de que a democracia corre risco no Brasil. Jorge Buxadé, chefe do partido herdeiro do franquismo na Espanha, o Vox, insistiu que é necessário lutar "pela verdade contra a censura". O mesmo tom foi usado por extremistas de direita da Holanda e "acadêmicos" chamados para alertar sobre o risco de "radicalização" por parte de Lula.

Mesmo com um baixíssimo quórum, o evento chamou a atenção das lideranças da UE, engajadas numa forte campanha para tentar garantir que suas eleições legislativas em junho possam ser blindadas contra a desinformação.

A viagem dos brasileiros para Bruxelas ocorre semanas depois de uma outra missão aos EUA que adotou o mesmo tom. Em Washington, o objetivo era gerar a suposta notícia de que o Brasil corria o risco de ser alvo de sanções por parte dos americanos por causa da censura.

Na Europa, foi declarado como "vitória", por parte do deputado Gustavo Gayer (PL), o fato de um dos representantes da extrema direita holandesa aceitar propor ao restante dos 700 deputados europeus que a "ditadura" no Brasil fosse debatida na plenária do Parlamento Europeu.

A possibilidade de isso ser aprovado, segundo deputados de centro-esquerda em Bruxelas, é "perto de zero". E, mesmo que ocorra, tem um valor apenas simbólico, sem qualquer impacto para o Brasil.

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Mas, para fontes na Comissão Europeia, diplomatas e mesmo funcionários dos serviços de inteligência, não são os fatos que interessam ao grupo que visivelmente se articula.

Brasil: base provisória da ofensiva da extrema direita

A natureza dos encontros e a repetição de slogans cuidadosamente coordenados levantaram suspeitas que já circulavam de que o Brasil se transformou na base provisória da ofensiva da extrema direita para rebater a guerra à desinformação que as democracias passaram a adotar.

"Uma vitória da extrema direita no Brasil é uma vitória para a extrema direita em todo o mundo", admitiu um experiente diplomata europeu.

Desde os "vazamentos" dos documentos internos da empresa Twitter para um grupo restrito de jornalistas, o comportamento de líderes políticos dos EUA, Europa e Brasil sinalizam que existe uma ofensiva se organizando para resistir às tentativas de instituições democráticas de colocar um basta nos abusos nas redes.

No centro da estratégia, o bilionário Elon Musk surge como sendo a figura capaz de mobilizar, num momento em que tanto a Europa, como EUA e Brasil se prepararam para atravessar eleições estratégicas.

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No roteiro, sempre o mesmo script: começar a comparar o Brasil às ditaduras na Venezuela, na Nicarágua e em Cuba, insistir sobre o clima de perseguição contra esse movimento e sequestrar termos como "liberdade" e "democracia".

Musk não passa no primeiro teste, e crise é instaurada

Mas longe das narrativas, documentos oficiais obtidos pelo UOL revelam que Musk e a extrema direita vinham sendo alvo de um cerco por parte das autoridades europeias.

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Imagem: Arte/UOL

No início de 2023, a plataforma de Musk fazia parte de um código de ética estabelecido pelo setor privado e pela Comissão Europeia. A adesão era voluntária. Em fevereiro daquele ano, porém, a primeira crise foi estabelecida.

Conforme o acordo, todas as plataformas deveriam informar à Comissão o que estavam fazendo para lutar contra a desinformação e o ódio nas redes. Todos responderam, menos Musk.

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Um informe de fevereiro da UE dizia que a rede não deu "informações específicas e nenhum prazo" sobre como pensava em cumprir seus compromissos de transparência.

Em maio, a empresa decidiu abandonar o código voluntário. Mas a UE alertou que, mesmo assim, a rede teria de cumprir as regras do bloco de luta contra a desinformação.

Em setembro, um segundo informe foi publicado pela UE. Na época, a plataforma Twitter, hoje X, apareceu na primeira posição como a empresa que mais desinformação divulga na UE. A empresa também era a primeira colocada em termos de taxas de postagens de desinformação.

Um mês depois, numa carta enviada para Musk, a UE alertou que havia identificado sinais preocupantes em relação ao comportamento da plataforma diante dos ataques do Hamas em Israel. A carta, obtida pelo UOL, deixa claro o mal-estar entre a Comissão Europeia e a empresa.

"Temos indicações de que sua plataforma está sendo usada para disseminar conteúdo ilegal e desinformação na UE", escreveu o comissário Thiery Breton para Musk.

"Peço que você garanta de forma urgente que seus sistemas sejam eficazes [na retirada de conteúdo ilegais]", disse. Breton deu 24 horas para Musk agir e alertou que penalidades poderiam ser adotadas.

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A UE havia entrado em contato com todas as plataformas. Mas a resposta de Musk gerou uma profunda irritação nos bastidores da Comissão. Para a UE, estava claro que o empresário não estava disposto a cooperar.

Em dezembro, sem respostas satisfatórias por parte da empresa, a UE abriu um inquérito contra a X por causa da disseminação de desinformação e com a possibilidade de multar a empresa em 6% do valor de sua receita global.

Fontes em Bruxelas indicaram ao UOL que é a possibilidade de uma punição contra a X que levou os parlamentares europeus a "comprar a briga" dos brasileiros contra o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal).

"O que estão defendendo, no fundo, é a capacidade de a empresa ser usada na eleição em junho na UE para difundir coisas que outras plataformas não aceitariam", disse um funcionário em Bruxelas.

No final de abril, a UE considera que terá uma ideia mais clara das pretensões de Musk. O bloco realizará um simulado de uma disseminação de desinformação em massa e vai avaliar a capacidade de cada plataforma de identificar as mensagens e retirá-las do ar.

No centro das atenções, estará a X e o comportamento da extrema direita mundial.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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