Brasil diz na ONU que reconhecimento da Palestina é condição para paz
O chanceler Mauro Vieira sai em defesa do reconhecimento do Estado palestino como membro pleno da ONU e aponta que esse seria um caminho para que possa existir uma solução envolvendo Israel e Palestina.
Num discurso nesta quinta-feira no Conselho de Segurança da ONU, ele alertou que o reconhecimento é "imperativo" para que haja estabilidade regional.
"A tão esperada solução de dois Estados requer que esses dois Estados sejam plenamente reconhecidos. É puro bom senso", disse o chefe da diplomacia brasileira ao UOL. "Até porque o quadro atual, com um Estado apenas, e como potência ocupante, claramente não levou à implementação da rota para a paz traçada em Oslo", disse.
Numa manobra apoiada pelo Brasil, China, Rússia e os países árabes, diplomatas tentam chancelar o reconhecimento internacional do Estado palestino. O caminho escolhido foi a ONU e a aprovação de uma resolução que permita que os palestinos sejam considerados como membro pleno da entidade. Na prática, isso significaria a consolidação pela comunidade internacional da existência de um país chamado Palestina, soberano e independente.
O texto será votado ainda nesta quinta-feira na ONU e é um dos mais curtos já submetidos ao voto, mas uma das decisões de maior impacto em décadas. Diz o projeto:
O Conselho de Segurança,
Tendo examinado a demanda do Estado da Palestina para sua admissão às Nações Unidas,
Recomenda à Assembleia Geral que o Estado da Palestina seja admitido como membro da ONU.
Correção de injustiça histórica, diz chanceler
Ao falar no Conselho de Segurança da ONU, Mauro Vieira apresentou uma lista de motivos pelos quais os palestinos deveriam ser aceitos na organização. Mas insistiu que trata-se de "corrigir por meios pacíficos uma injustiça histórica à aspiração legítima da Palestina à condição de Estado".
Citando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ele destacou que "a decisão sobre a existência de um Estado palestino independente foi tomada há 75 anos pelas próprias Nações Unidas", portanto, "não há desculpas para impedir que o Estado da Palestina entre para a ONU como membro pleno".
Hoje, 139 dos membros da ONU já reconheceram a soberania do Estado da Palestina. O Brasil o fez em 2010, reconhecendo sua soberania territorial ao longo das linhas das fronteiras de 1967.
Vieira lembrou como o Estado da Palestina já é membro pleno de várias organizações regionais e internacionais. "Reiteramos, portanto, nosso apoio inabalável à Palestina em sua busca por mais reconhecimento internacional por meio de canais diplomáticos", defendeu.
"Chegou a hora de a comunidade internacional finalmente dar as boas-vindas ao Estado da Palestina, totalmente soberano e independente, como um novo membro das Nações Unidas", disse. Ele ainda defendeu investimento em larga escala e o desenvolvimento sustentável para a viabilidade do Estado palestino.
"Os últimos acontecimentos no Oriente Médio são mais uma prova de que uma solução duradoura e sustentável para a questão palestina não é apenas um imperativo moral. É um pré-requisito estratégico para a estabilidade regional e global", disse.
"A paz e a estabilidade no Oriente Médio só poderão ser alcançadas quando as legítimas aspirações do povo palestino à autodeterminação e à condição de Estado forem atendidas", afirmou.
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Brasil evita citar Irã, mas alerta para "guerra catastrófica"
Ao discursar antes do voto, o chanceler brasileiro evitou citar o Irã que, no fim de semana, lançou um ataque contra Israel. Mas afirmou que "a escalada dos acontecimentos nas últimas semanas nos trouxe um importante lembrete: um mundo sem regras ou com regras que escolhemos é um mundo muito mais perigoso".
"Pedimos a todas as partes e atores relevantes no Oriente Médio que cumpram integralmente suas obrigações internacionais, incluindo o respeito à soberania, à integridade territorial e à independência política de todos os Estados da região", disse.
O Brasil também pediu "a todas as partes para que se abstenham de qualquer ação que não esteja em conformidade com as obrigações internacionais ou que possa resultar em uma nova escalada".
Para ele, "uma guerra regional generalizada e catastrófica no Oriente Médio não é do interesse de ninguém".
"Enquanto o mundo assistia, inquieto, à possibilidade concreta de o conflito se espalhar pelo Oriente Médio no fim de semana, muitos pensamentos horríveis passaram por nossas mentes: a possível destruição de vários países da região, a morte de milhares de vidas inocentes e as consequências sociais e econômicas da intensificação das hostilidades para o mundo todo", alertou.
Críticas ao Hamas e ao governo de Netanyahu
O chanceler deixou claro suas críticas aos atos do Hamas. "Assistimos incrédulos ao ataque de 7 de outubro que tirou a vida de muitos inocentes em Israel. Ainda lamentamos a perda de nossos duplo-nacionais que foram vítimas dos ataques terroristas. E ainda nos preocupamos com os que, incluindo um brasileiro, foram mantidos como reféns pelo Hamas", afirmou.
Mas o Brasil lançou cobranças contra Israel, inclusive para que cumpra as determinações da Corte Internacional de Justiça.
"A Corte emitiu medidas provisórias exigindo que Israel tome todas as medidas ao seu alcance para impedir todos os atos considerados genocídio de acordo com a Convenção para a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio, para evitar danos irreparáveis. A decisão da Corte é de implementação imediata e obrigatória", alertou.
O governo brasileiro ainda pediu que o Conselho de Segurança que tome medidas para garantir que atos que possam levar ao genocídio sejam evitadas.-
"Também temos observado com grande angústia o nível sem precedentes de destruição de quase toda a região de Gaza em um período muito curto de tempo, de escolas a hospitais, de mesquitas e igrejas a cemitérios, de instalações de abrigos a comboios de ajuda", disse.
Segundo ele, há um número "detestável e desproporcional de vítimas civis em Gaza, que hoje soma mais de 33.000 pessoas, incluindo 14.500 crianças".
"Testemunhamos o assassinato injustificável de funcionários da ONU, profissionais da mídia e trabalhadores humanitários", insistiu. "Em suma, observamos com indignação os frequentes ataques aos princípios básicos do direito internacional em vários países da região", disse o chanceler.
Cobrança ao Conselho
Mauro Vieira também usou seu discurso para cobrar a comunidade internacional por respostas, depois de meses de um impasse no Conselho de Segurança. "Basta. Este Conselho de Segurança tem a obrigação moral e legal de interromper esse derramamento de sangue e evitar que o Oriente Médio mergulhe em uma agitação social generalizada, instabilidade política e uma guerra com consequências imprevisíveis para o mundo", defendeu.
Para ele, a palavra-chave: desescalar o conflito.
"Um compromisso confiável com a redução da escalada exige o fim imediato das hostilidades em Gaza, a libertação incondicional dos reféns, ajuda humanitária sustentável aos habitantes de Gaza e ações que promovam o diálogo - e não mais confrontos", disse.
Ele defendeu o estabelecimento imediato de um cessar-fogo permanente para estabilizar a situação em Gaza e na região. "A lógica da guerra nos levou à beira de uma escalada regional e de uma guerra generalizada", alertou.
Segundo o chanceler, o Conselho de Segurança precisa cumprir suas responsabilidades de forma "diligente e eficaz". "É por isso que o Brasil pede que o Conselho de Segurança não se furte à sua principal responsabilidade de lidar com ameaças à paz e à segurança internacionais. Um compromisso crível com a paz e a segurança no Oriente Médio exige que a comunidade internacional tome todas as medidas necessárias para o cumprimento da autodeterminação do povo palestino e a implementação da solução de dois Estados, conforme a Resolução 181 (II) da Assembleia Geral de 1947", defendeu.
EUA pressionam contra resolução
A suspeita, porém, é de que o governo americano vete a resolução. Robert Wood, embaixador dos EUA, não revelou como seria o voto do governo de Joe Biden. Mas sinalizou que o projeto americano vai em outro sentido.
Segundo ele, o governo americano vai continuar a apoiar a diplomacia para conseguir a normalização da relação entre Israel e seus vizinhos, além de uma solução a dois Estados. Wood ainda acusou o Hamas de não aceitar negociar. "Eles são os únicos obstáculos para um cessar-fogo", disse. "A bola está com o Hamas", insistiu.
Telegrama vazado: Biden pressionou aliados a não votar pela proposta
Antes do encontro, porém, telegramas vazados mostram que o governo de Joe Biden pressionou governos que fazem parte do Conselho de Segurança para votar contra o projeto. Um deles foi o governo do Equador.
De acordo com o documento oficial do governo americano, Quito aceitou seguir a orientação americana e afirmou que vai votar contra a resolução que reconhece a Palestina como Estado.
Num telegrama de 13 de abril, o governo americano explica que seu embaixador em Quito esteve com a ministra das Relações Exteriores do Equador, Gabriela Sommerfeld, em 12 de abril.
"Sommerfeld concordou com nossa posição e disse que o Equador não apoiaria nenhuma resolução do Conselho de Segurança da ONU que recomendasse a admissão da "Palestina" como um Estado membro da ONU", disse.
"Ela acrescentou que também instruiria o representante equatoriano na ONU, José de la Gasca, a pressionar a França, o Japão, a Coreia e Malta a não apoiar tal resolução", afirmou o telegrama.
"Sommerfeld enfatizou que era importante que qualquer resolução proposta não obtivesse os votos necessários sem o veto dos EUA, observando que o Equador não gostaria de parecer isolado (sozinho com os Estados Unidos) em sua rejeição de uma resolução sobre a "Palestina" (particularmente em um momento em que a maioria dos Estados membros da ONU está criticando o Equador por sua incursão em 5 de abril na embaixada do México em Quito", completou.
No Conselho, o governo do Reino Unido também afirmou que apoia a proposta de uma solução a dois Estados e um Estado palestino viável e independente. "Mas não pode ocorrer no começo do processo. Vamos reconhecer quando conduza a um processo de paz", disseram os britânicos, que colocaram como condição o fim do controle de Gaza por Hamas.
"Estado independente palestino é direito histórico", dizem autores da proposta
Ao apresentar o projeto, o governo da Argélia insistiu que o reconhecimento internacional é um "direito histórico" e que cabe à ONU salvar a ideia de uma solução a dois Estados, com palestinos e israelenses vivendo lado a lado.
"A causa palestina vive uma ameaça perigosa e o Conselho tem uma responsabilidade de agir imediatamente de impor a solução de dois Estados, forçando a ideia de uma solução a dois Estados", defendeu Mohamed Attaf, chanceler argelino. Ele destacou que a ocupação israelense mina a paz no Oriente Médio e destrói os pilares do estado palestino. Segundo o chanceler, Israel tenta "liquidar a causa palestina" e "faz isso sem escrúpulo".
"A solução de dois Estados vive um perigo mortal e imitante e precisamos salva-la", insistiu. Um fracasso da resolução daria uma carta branca para Israel continuar "roubando terras" e para o "extremismo".
Segundo ele, a proposta causaria três impactos:
- Consolidaria a solução a dois Estados e a protegeria de ameaças
- Protegeria a base de um Estado palestino, com Jerusalém Oriental como capital
- Construiria a base para um plano de paz.
Antes do voto, o governo palestino pediu que seu Estado seja reconhecido e lembrou que o povo palestino vive uma "tragédia" desde 1948. Ziad Abu Amr, vice-primeiro-ministro palestino, afirmou que a entrada na ONU iria "compensar algumas das injustiças históricas".
O governo palestino contestou o argumento americano. "Como a entrada da Palestina vai minar os esforços de paz? Não foi assim que Israel também foi estabelecido e passou a ser membro pleno na ONU?", questionou Ziad Abu Amr, que ainda acusou potências Ocidentais de armar Israel.
"A segurança não é garantida com guerras intermináveis, enquanto a ocupação continua", alertou. "Não há estabilidade enquanto não houver um Estado palestino independente e soberano, com Jerusalém Oriental como sua capital", completou.
Israel diz que proposta cria "Estado nazista da Palestina"
Num discurso violento, o governo de Israel rejeitou a proposta, chamando a resolução de "imoral e perigosa". "A proposta força a criação de um Estado nazista da Palestina", denunciou Guilad Erdan, embaixador de Israel na ONU, que acusou a resolução de ser "desconectada da realidade". "Essa resolução terá zero impacto positivo e minará chance de diálogo", alertou.
"Ela mostra o colapso da ONU", disse, acusando a entidade de "ajudar o terrorismo". "Ela mostra que, neste formato, a ONU não tem futuro", insistiu.
Segundo ele, os critérios para entrar na ONU incluem ter uma população permanente, um território, um governo e a capacidade de ter relações com outros países. Mas destacou como também existe que sejam "Estados que amam a paz". "Que piada", afirmou o diplomata. A Autoridade Palestina é uma entidade que ama o genocídio e não merece estar aqui", disse.
Erdan alertou que a Autoridade Palestina não tem controle sobre Gaza. "Quem vai representar? O Hamas de Gaza?", questionou. Segundo o diplomata, a adesão palestina seria a "maior recompensa à violência" do Hamas. "Se isso ocorrer, isso aqui não seria mais o Conselho de Segurança, mas o Conselho do Terror", afirmou. Israel alertou que, se aprovada, tornaria uma negociação "impossível".
Erdan ainda aproveitou a reunião para acusar o representante iraniano presente na reunião de ser um terrorista. "O ministro de um Estado genocida está aqui. Ele é um terrorista", acusou.
Rússia acusa Israel de insultar organização
Apoiando a ideia da adesão plena dos palestinos, o governo da Rússia respondeu de forma enfática às acusações de Israel: "isso é um insulto".
Moscou ainda criticou os EUA por vetar propostas para estabelecer um cessar-fogo e de estar perdendo o controle sobre Israel. "Eles queriam uma mão livre aos seus aliados para limpar o enclave"", disse Vasily Nebenzya, embaixador russo. "Mas os americanos estão perdendo o controle sobre Israel. O rabo está abanando o cachorro", disse.
Apoiando o projeto de adesão dos palestinos, o governo da China alertou que opções militares não farão nenhum dos lados mais seguro e alerta que Oriente Médio pode "mergulhar em um Holocausto".
Oriente Médio à beira do abismo, alerta chefe da ONU
Antes da votação, o secretário-geral da ONU, António Guterres, alertou que o Oriente Médio vive um "momento de máximo perigo" e que está "à beira do abismo". "Isso poderia levar ao impensável, que seria uma guerra em escala completa em toda a região", alertou.
O chefe da ONU acusou Israel de impedir 40% das iniciativas para entregar alimentos em Gaza, também também condenou ataques do Irã e o terrorismo do Hamas.
"Precisamos de cessar-fogo, a soltura dos reféns e a entrega de ajuda humanitárias", defendeu Guterres, que chamou Gaza de um "cenário de inferno".
Mas ele sugeriu que a solução vai existir a criação de dois Estados, com reconhecimento mútuo. "Isso exige um Estado palestino soberano e independente. A comunidade internacional tem obrigação de fazer isso ocorrer", cobrou o chefe da ONU, que defendeu o "fim da ocupação" das terras palestinas.
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