Jamil Chade

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Acordo sobre pandemia divide países e ameaça fracassar; Brasil propõe saída

O principal projeto político que derivou da pandemia da covid-19 ameaça naufragar, depois de dois anos de negociação. A partir desta segunda-feira, embaixadores de todo o mundo desembarcam na OMS em Genebra para a fase final de debates, com vistas a criar um Tratado sobre a Pandemia, um instrumento que estabeleceria as obrigações, deveres e direitos de cada um dos governos caso uma nova pandemia se dissemine pelo mundo.

Mas, profundamente divididos, os negociadores admitem que existe um risco real de um colapso no processo.

O acordo foi proposto diante da constatação que, entre 2020 e 2022, ficou claro que o mundo não tinha regras para lidar com uma pandemia. A esperança da OMS era de que, diante de milhões de mortes e de um colapso na economia global, governos chegariam a um novo tratado internacional que prepararia o mundo para eventuais futuras pandemias.

Da forma que está sendo proposto, o acordo exigiria dos países em desenvolvimento - e onde estão as principais florestas do mundo - que se comprometam a informar e agir diante de novos surtos de doenças. Eles também teriam de compartilhar imediatamente as amostras dos vírus ou bactérias que possam surgir para a comunidade internacional.

Mas, da forma que está sendo construído, esses países não teriam garantiria que eles tenham maior acesso nem à tecnologia e nem a vacinas ou tratamentos. Os países ricos, durante os últimos dois anos, se recusaram a abrir mão do poder sobre patentes, mesmo recebendo as amostras de doenças que eventualmente surjam no Sul do planeta.

A crise na negociação surpreendeu o setor da saúde que, depois de testemunhar 7 milhões de mortes pela covid-19, acreditava que haveria um espaço para um entendimento. Em março, mais de cem líderes, vencedores do prêmio Nobel da Paz e acadêmicos publicaram uma carta fazendo um apelo para que o mundo não desperdiçasse a oportunidade. "Uma nova pandemia vai surgir e, agora, não existe desculpa para não estar preparado para ela", alertaram.

Para Tedros Gebreyesus, diretor-geral da OMS, o mundo não tem o direito de perder esta oportunidade de chegar a um acordo.

Brasil lidera proposta para salvar projeto

Na tentativa de salvar as negociações sobre o Tratado de Pandemia e até mesmo a credibilidade da OMS, um grupo de países está defendendo em reuniões privadas a ideia de uma alternativa ao acordo.

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Com posições muito distantes e sem sinais de flexibilidade por parte de nenhum dos grupos, a proposta é anunciar um acordo preliminar e o compromisso de todos os Estados-Membros de continuar as negociações por mais um ou dois anos.

Liderados pelo Brasil, países emergentes como Malásia, Indonésia e Botsuana passaram as últimas semanas em consultas em suas capitais, propondo essa "saída" para evitar um colapso nas negociações.

Os diplomatas afirmam que, devido à fratura entre os países, há apenas duas opções reais na mesa: reconhecer o fracasso e encerrar os procedimentos, ou anunciar um pacto preliminar, com o compromisso automático e vinculativo de todos os países de continuar as negociações. A duração estaria em negociação, mas quatro fontes diferentes que a ideia seria uma extensão de um ou dois anos.

Negociadores brasileiros comparam a proposta à criação de uma lei que, depois de promulgada, precisaria de decretos para regulamenta-las.

Mas até mesmo essa opção está sofrendo resistência. Os governos africanos, alegando que foram os mais afetados pelos desequilíbrios tecnológicos durante a pandemia da covid-19, insistem que precisam de um acordo completo que assegure a transferência de tecnologia ou um acesso mais amplo a medicamentos, vacinas e diagnósticos.

Os países emergentes, especialmente na África, argumentam que uma extensão das negociações só beneficiaria aqueles que querem manter o status quo.

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Os governos ocidentais também apontaram que não estão dispostos a aceitar o acordo proposto pelo grupo africano e insistem que um novo tratado sobre pandemia terá que ampliar a responsabilidade dos governos em relação ao monitoramento, à transparência e à vigilância sobre surtos de doenças.

Para o Brasil e os demais emergentes que tentam salvar o acordo, a ideia é que o compromisso respeite um princípio fundamental: o equilíbrio. Uma concessão do mundo emergente só seria aceita se um gesto equivalente fosse feito pelos países desenvolvidos.

O receio é que um acordo que representasse apenas uma "colheita antecipada" levaria a uma situação em que os pontos-chave para os países emergentes nunca seriam colhidos.

"Se uma prorrogação fosse acordada, que garantias haveria de que novos prazos não seriam cumpridos?", questiona um negociador africano. Para um delegado de um país asiático, o "pecado original" desse processo foi o curto período de tempo imposto aos governos para que chegassem a um acordo até 2024.

Até mesmo o período de dois anos foi, de fato, uma solução controversa. A proposta da UE era ter um grupo de especialistas que chegaria a um acordo e, um ano depois, o apresentaria aos Estados membros. A ideia foi rejeitada pelos países em desenvolvimento, que exigiram uma negociação.

Agora, o processo corre o risco de entrar em colapso.

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