Jamil Chade

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Amorim: avanço ultraconservador é o maior desde 45 e Lula está 'preocupado'

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva está preocupado com o avanço da extrema direita no mundo e pode levar o tema para seus encontros durante a cúpula do G7, que ocorre na Itália a partir de sexta-feira. Antes, ele passa nesta quinta-feira por Genebra e, num discurso na Conferência Internacional do Trabalho, também poderá fazer alusões ao tema.

Em entrevista exclusiva ao UOL, o conselheiro da presidência para Assuntos Internacionais, o embaixador Celso Amorim, defendeu que democracias passem a pensar "profundamente" sobre o que significa esse avanço, principalmente depois dos resultados da eleição europeia. Segundo ele, nunca houve um avanço tão forte desse momento desde o final da Segunda Guerra Mundial.

No fim de semana, a extrema direita venceu na França, Itália e Áustria, além de chegar em segundo lugar na Alemanha e vários outros países.

Amorim está em Genebra para as comemorações dos 60 anos da Conferência da ONU para o Comércio e Desenvolvimento, a Unctad

Chade - Qual a mensagem que o senhor traz para a reunião da Unctad?

Amorim - A Inteligência Artificial é o novo divisor de águas do mundo. Corremos o risco de ter um novo TNP (Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares). Há um grande interesse que haja uma negociação entre EUA e China para que não seja usada de maneira perigosa e dramática. Veja o que ocorreu em Israel, com armas que matam sem a intervenção do ser humano. Só entra na decisão na hora de fazer o programa. Depois, se alguém gritar que aqui tem uma criança, paciência. Está no programa. Isso é muito perigoso.

Mas é também perigoso que haja um entendimento entre aqueles que hoje detém a tecnologia e os que não detém. E que se repita o que ocorreu no TNP. A comparação não é à toa. Para o mundo de hoje, a Inteligência Artificial está para o que foi, há 80 anos, a energia nuclear.

Hoje, é a questão central.

E a posição do Brasil é a de que haja uma negociação multilateral?

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Primeiro precisamos nos capacitar. E há também a questão das regras. Existem regras internas, com relação aos cidadãos, e a distribuição internacional. Como a regulação internacional pode contribuir para uma melhor distribuição da tecnologia. Temos que participar juntos. Caso contrário, eles nos deixam para fora. Quem tem, tem. Quem não tem, fica de fora. Já vimos esse filme. O Brasil começa a se preocupar com isso.

Neste contexto, vemos a extrema direita ganhando espaço e eleições. Um cenário de força desse movimento na Europa, a Argentina com Milei e eventualmente a eleição de Donald Trump preocupa o governo brasileiro?

Claro que preocupa. Eu ainda tenho esperança de que isso mude, que seja algo passageiro. Tem havido muitas oscilações ao longo da história. Mas nunca houve, desde 1945, um crescimento da extrema direita dessa forma.

O que chama a atenção é que não é uma divisão entre a extrema direita e extrema esquerda. Hoje, a polarização é entre a extrema direita e a centro-direita e, apenas ocasionalmente, com a centro-esquerda. Ela (centro-esquerda) tem caído muito. Mesmo partidos centristas, como o de Emmanuel Macron. A social-democracia alemã, salvo no período nazista, teve seu menor índice desde o século 19. É impressionante e fico pensando: para onde vai o mundo?

Obviamente, temos de apoiar os não-extremistas. Temo que concessões sejam feitas por governos em temas como imigração. O problema da extrema direita não é apenas o que ela pode fazer no poder. É como ela já influencia nos dias de hoje, com alianças. O medo de perder votos para a extrema direita acaba levando governos a adotar políticas mais à direita. Eu acho que isso não é bom.

O Brasil vai levar essa preocupação às reuniões durante a cúpula do G7?

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Creio que certamente. O presidente Lula é muito preocupado com esse tema. Já manteve conversas antes mesmo das eleições na Europa com Pedro Sanchez e outras pessoas que tem afinidades para ver o que fazer. Mas agora precisamos pensar mais fundo.

Na Europa, a extrema direita estava num canto. Mas agora é preocupante. Toda a ideia de um acordo entre Mercosul e UE estava ligada a ter um equilíbrio. Não sei como será.

Coloca um ponto de interrogação na inserção do Brasil e puxa o país mais para o grupo de emergentes?

Acho que isso vai ser uma tendência. E acho que os europeus precisam entender isso, pelo menos os europeus que querem um mundo menos conflituoso. Isso, paradoxalmente, pode levar a um acordo mais justo entre o Mercosul e a UE. Mas vai ser muito difícil. As tendências estão muito arraigadas.

Esse é o momento de as democracias pensarem em algum tipo de coalizão?

Há um pensamento forte sobre isso. No caso do Brasil, jogamos com duas posições: a aliança com sociais-democratas pelo mundo e a aliança com os países em desenvolvimento, como o Brics.

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É um mundo complicado. Temos uma forma muito complicada da organização do poder. As ameaças e os conflitos abertos estão aí. Na Ucrânia, as superpotências se opõem. Ao mesmo tempo, o conflito de Israel engole tudo e mexe com as políticas internas dos países. De fato, Gaza é mais perigosa que a Ucrânia, neste sentido.

O Brasil de fato não participará da cúpula da Ucrânia com uma presença presidencial ou ministerial?

A ideia é a de enviar a embaixadora do Brasil na Suíça. Existem muitos apelos (para que o Brasil eleve sua participação). Mas não acho que tem como mudar. O vício de origem é a não participação da Rússia. O programa, ainda que modificado, ele se baseia no Plano Zelensky de Paz. Não é assim.

O Brasil não fez nada para favorecer a Rússia. Mas para favorecer a paz. Caso contrário, o que vai ocorrer é que o Ocidente vai continuar ajudando a Ucrânia, mas não na medida necessária para evitar um avanço russo, como de fato está ocorrendo. Não é o que eu quero. É o que estou vendo.

Existia, em 2023, um momento em que parecia que a Rússia estava fragilizada. Mas Putin superou isso. Eu estive em São Petersburgo e parecia Londres nos anos 70. Os jovens nas ruas. Eu me perguntei: esse país está em guerra?

Mas e as sanções?

Foi o maior tiro no pé que o Ocidente poderia dar. A Rússia aumentou sua autossuficiência em alimentos, que era uma área que o Brasil buscava muito. As sanções estão ajudando a formar um bloco, com China, Rússia e Índia.

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O Brasil voltará a ter embaixador em Israel?

Nosso problema não é com Israel. É com o governo de Benjamin Netanyahu. Eu não vejo essa possibilidade (de volta de embaixador). Mas não há uma decisão tomada formal. Mas, não vejo por conta do que ocorreu com Frederico Meyer, que foi uma humilhação. Foi um desejo proposital de humilhar o Brasil.

O que está ocorrendo hoje é o pior que poderia estar ocorrendo com Israel. Fui para lá em muitas ocasiões. Até Ariel Sharon me recebeu e queria conversar. Ehud Barak também queria negociar, mesmo sendo duro. Hoje, há gente em Israel que considera que Netanyahu é mole. Isso é muito dramático. É trágico para os palestinos. Mas muito ruim também para Israel. Há uma quebra dos mínimos padrões diplomáticos. Onde já se viu um ministro de Relações Exteriores xingar um presidente de outro país?

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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