Jamil Chade

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Alternativa ao dólar defendida por Brics empaca e bloco vive encruzilhada

A proposta do grupo de economias emergentes de criar um sistema paralelo ao dólar não sai do papel. Desde o ano passado, o Brics vem anunciando sua intenção de trabalhar sobre o estabelecimento de um sistema que permita que os países em desenvolvimento possam realizar a troca comercial entre eles sem ter de passar pela moeda americana.

Pelo menos por enquanto, porém, nenhuma ação formal por parte do bloco permitiu que o trabalho de criação do sistema fosse efetivamente iniciado. Entre os negociadores do bloco, o constrangimento diante da falta de um projeto concreto começa a ficar evidenciado.

O tema ainda faz parte oficial dos discursos de líderes. Na semana passada, o chanceler russo Sergei Lavrov usou a reunião de chanceleres do bloco para defender a ideia de uma "plataforma" de moedas para que o comércio entre os emergentes possa ocorrer.

Ao longo de meses, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva também insistiu na ideia de uma alternativa ao dólar como uma espécie de bandeira de sua política externa. Iniciativas, como um acordo com a China para realizar o comércio em real e yuan, foram estabelecidas.

Nos bastidores, porém, os negociadores de Moscou admitem que não existe nada em termos formais que indique ainda uma estrutura que possa envolver todos os países do bloco. Um dos problemas seria justamente realizar esse trabalho essencialmente econômico e monetário, capitaneado por um país que está sob sanções internacionais. Neste ano, a presidência do Brics é de Vladimir Putin.

Dentro do governo brasileiro, vozes começam a se movimentar para trabalhar qual seria a agenda do governo Lula quando, no final do ano, o país assumir a presidência do Brics.

Se na presidência russa o tom do Brics tem sido de oposição ao Ocidente e um discurso anti-sistema, o Brasil quer adotar uma postura de "ponte" entre os emergentes e o G7.

Uma das possibilidades seria destravar o debate sobre a moeda, sem que isso signifique uma afronta às sanções ou às potências ocidentais.

Entre as ideias, circula a possibilidade de criar um grupo de trabalho com a missão de examinar a possibilidade da criação de uma unidade de conta, o que poderia ser um embrião de uma moeda comum. A função, durante a presidência brasileira do bloco em 2025, seria então criar um mapa de como desenvolver a ideia e passos concretos para os próximos anos.

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O grupo, no entanto, não seria composto apenas por economias e especialistas dos países emergentes. O convite a eminências dos EUA ou Europa poderia ser um caminho para dar um sinal de que o projeto não é um ataque ao Ocidente.

A avaliação entre negociadores brasileiros é que Lula na presidência do Brics pode ser uma "oportunidade rara de legitimidade" para apresentar um projeto ousado e que, na voz de outros emergentes, poderia soar como um ataque frontal contra os EUA.

Documentos internos revelam racha

Entre os próprios membros fundadores do Brics existem diferentes posições. Num rascunho de documentos do bloco, Brasil, Rússia e China pedem que os respectivos Ministérios da Fazenda e Bancos Centrais avaliem um instrumento internacional de pagamentos. Índia e África do Sul, porém, se mostram resistentes.

Outro tema da presidência brasileira pode ser a adoção de uma postura concreta no que se refere às reformas dos organismos do sistema de Bretton Woods. A ideia tratar de medidas concretas que possam ser adotadas no FMI e em outras instituições.

Colômbia no lugar da Argentina e membro da Otan no Brics

A expansão do bloco ainda será um ponto central da presidência brasileira. A ofensiva de Lula para conseguir que mais um latino-americano fizesse parte do bloco naufragou com a vitória de Javier Milei. A Argentina havia sido convidada a fazer parte da iniciativa, mas o novo presidente anunciou que se recusava a aderir.

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O problema, na avaliação brasileira, é que a expansão do Brics ocorreu mesmo assim, criando um desequilíbrio no bloco e a presença importante de países do Golfo e Asiáticos.

Uma das opções pode ser a substituição da Argentina por uma candidatura da Colômbia. Mas, se hoje o país é governado por um grupo progressista, a história da democracia colombiana já revelou que uma guinada para a direita e um alinhamento aos EUA fazem parte do percurso de política externa do país nas últimas décadas.

Nos bastidores, outro país que nutre esperanças de ser o segundo representante latino-americano é a Venezuela. Caracas não é a primeira opção do Brasil, mas conta com a simpatia de Moscou e Irã, o novo membro do bloco.

Também deve avançar a proposta da adesão da Turquia — se consolidada, seria o primeiro país membro da Otan a também estar envolvido no Brics. O Brasil, na esperança de construir pontes, é favorável.

Além dos membros permanentes, o Brics anunciará ainda a criação formal de um grupo de países associados. Serão dez membros nessa condição — mas que não terão o mesmo papel nas decisões políticas do bloco.

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