Com Irã e novos membros, Brics trabalha para substituir dólar em comércio
A primeira reunião do Brics em seu formato ampliado foi marcada pelo compromisso de diferentes governos pelo desenvolvimento de uma estratégia que permita que o comércio entre os países do bloco ocorra sem o uso do dólar.
O chanceler russo Sergei Lavrov afirmou hoje (10) que o bloco de países emergentes está "ativamente desenvolvendo uma plataforma de comércio com moedas nacionais".
O anúncio foi feito na Rússia, durante a reunião dos ministros de Relações Exteriores do bloco, com a participação do chanceler brasileiro Mauro Vieira. O Kremlin preside o Brics em 2024, e o encontro ainda marca a primeira participação dos novos membros do bloco.
Irã, Egito, Etiópia e Emirados Árabes estavam presentes. Já a Arábia Saudita ainda não tomou uma decisão sobre participar da aliança.
Um dos principais itens da agenda é o trabalho que está sendo realizado no sistema financeiro internacional, principalmente para criar uma plataforma para o comércio internacional. A ideia é que os exportadores e importadores dos países emergentes possam fazer seus negócios em moedas nacionais e que não haja necessidade de recorrer à moeda americana.
Se comercialmente o ato não significa vantagens reais, a mudança de parâmetros tem como meta evitar que os emergentes fiquem dependentes das decisões de um governo nacional, no caso o dos EUA.
Com um sistema paralelo ao dólar, países que sofrem sanções poderiam continuar a comercializar. Entre os membros do Brics, Rússia e Irã estão entre os mais afetados.
"A expansão do Brics é a evidência que a nova ordem está tomando forma", disse Lavrov. Ele acusou os EUA e seus aliados de "tentar preservar" um sistema pelo qual possam predominar. O russo também acusou os americanos de usar "instrumentos econômicos como armas".
Papel do Brasil
Mauro Vieira, o chanceler brasileiro, também adotou uma postura de defesa do uso de moedas nacionais. Mas evitou um ataque frontal aos americanos e europeus.
O Brasil assume a presidência do Brics em 2025 e indicou que o tema estará na agenda. "Nossos líderes pediram que os ministros das Finanças e os governadores dos Bancos Centrais considerem a questão das moedas, instrumentos de pagamento e plataformas locais", disse Vieira.
"Esse é um tema que foi levantado pelo presidente Lula em Joanesburgo, e no qual o Brasil espera que os novos membros estejam totalmente engajados. Certamente também será um tópico importante da presidência brasileira do Brics no próximo ano", disse.
Critérios para expansão do Brics e garantia de reforma da ONU
Em seu discurso, porém, Vieira tocou em temas delicados dentro do bloco dos emergentes. Um deles é a expansão do Conselho de Segurança para a inclusão de Índia e Brasil, além de um país africano. A China, porém, é o mais que mais resiste a qualquer expansão.
"Há muitos anos estamos pedindo o fortalecimento do multilateralismo. Crucial para isso é o nosso consenso sobre a reforma abrangente da ONU, incluindo seu Conselho de Segurança", lembrou Vieira. "Essa é uma questão fundamental, uma pedra angular do Brics. Devemos encontrar meios de colaborar mais para levar esse tópico adiante nas Nações Unidas", defendeu.
Outro ponto defendido pelo Brasil é que os técnicos dos países envolvidos trabalhem para o estabelecimento de critérios objetivos para permitir que novos estados façam parte do Brics. Em 2023, o Itamaraty tentou emplacar a ideia. Mas a expansão ocorreu sem que as modalidades tivessem sido acordadas.
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JAMIL CHADE
Todo sábado, Jamil escreve sobre temas sociais para uma personalidade com base em sua carreira de correspondente.
Quero receberVieira alertou que a reunião "ocorre em um cenário de um mundo em desordem". "Um mundo que não conseguiu superar a fome e a pobreza, que está caminhando para um ponto de inflexão no aquecimento global e que não evitou a eclosão de conflitos e desastres humanitários", disse.
"Este é um momento em que as Nações Unidas e outras instituições multilaterais estão marginalizadas ou paralisadas, e o direito internacional, incluindo princípios humanitários básicos, está sendo flagrantemente desconsiderado, como estamos testemunhando em Gaza", alertou.
Para ele, o Brics "materializa a crescente influência do Sul Global nos assuntos internacionais". Mas pediu "coesão". Isso, segundo ele, significa "respeito mútuo, a compreensão dos interesses e aspirações de cada um, a igualdade soberana, a solidariedade, a abertura, a inclusão, a colaboração fortalecida e o consenso".
Ataques contra EUA
Antes do início dos debates, Lavrov pediu um minuto de silêncio em homenagem ao presidente do Irã, Ebrahim Raisi, morto em um acidente de helicóptero no mês passado. O ex-líder é acusado de graves crimes, principalmente na repressão contra o protesto de mulheres iranianas nos últimos anos.
Ao abrir os trabalhos, o russo lançou duros ataques contra os EUA, país que proliferou medidas de sanções financeiras contra Moscou desde a invasão da Ucrânia por tropas de Vladimir Putin.
Segundo ele, a transição para uma nova ordem mundial levará uma era histórica inteira e será "repleta de dificuldades".
Para Lavrov, os EUA estão tentando desacelerar a formação de uma nova ordem mundial multipolar usando o comércio como ferramenta de chantagem.
O chanceler russo indicou que os recentes eventos globais revelaram as verdadeiras cores daqueles que reivindicaram o "direito exclusivo" de definir os chamados "valores universais" sob o pretexto de uma ordem baseada em regras.
A Rússia, diz ele, defende uma ordem mundial igualitária baseada no equilíbrio de poder e na interação equitativa entre os estados.
O argumento do Kremlin tem sido martelado como uma forma de justificar a invasão ucraniana, considerada como ilegal pelo direito internacional e condenada pela ONU.
Lavrov, porém, insistiu que a resposta tem sido o fortalecimento do Brics e indicou que "seu papel nos acontecimentos globais só continuará a aumentar".
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