Jamil Chade

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Reportagem

Mães de vítimas denunciam violência policial em órgão internacional

As mães de vítimas da violência política vão à Comissão Interamericana de Direitos Humanos denunciar as operações das forças de ordem em São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia. Numa audiência nesta sexta-feira (12), elas vão alertar que, entre janeiro de 2023 e maio de 2024, pelo menos 4.270 pessoas foram mortas, o que representa oito mortes por intervenção policial por dia em um período de 16 meses.

Os dados são do Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública do Ministério da Justiça e Segurança Pública sobre Mortes Por Intervenção Policial e vão fazer parte da audiência, que ainda conta com grupos como Anistia Internacional, Conectas Direitos Humanos, Instituto Vladimir Herzog (IVH), Comissão de Defesa dos Direitos Humanos D. Paulo Evaristo Arns - Comissão Arns, Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e Washington Brazil Office (WBO).

Jan Jarab, representante regional do Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU para América do Sul, também estará presente, além dos comissionados da CIDH.

"Nós almejamos muito essa audiência, porque vimos um governo como o do estado de São Paulo fazendo um verdadeiro laboratório na Baixada Santista, com muitas mortes", Débora Maria da Silva, do movimento Mães de Maio. "E, quando denunciamos, esse mesmo governo ainda é capaz de criminalizar famílias inteiras, além das próprias vítimas. Nós não podemos aceitar isso calados", afirma.

Em março, diante de uma denúncia na ONU, o governador Tarcísio de Freitas zombou da atitude de grupos de direitos humanos. "Pode ir na ONU, na Liga da Justiça, no raio que o parta, que não tô nem aí", disse.

Além da situação atual, as mães das vítimas ainda vão levar os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública que, entre 2013 e 2022, as polícias brasileiras mataram 49.968 pessoas em ocorrências classificadas como "intervenções policiais com resultado morte" ou "resistência seguida de morte".

Apenas em 2022, 6.429 pessoas foram mortas por agentes de segurança, o que significa que, a cada dia, a polícia matou uma média de 17 pessoas. As vítimas são basicamente homens (99,2%), jovens (68% entre 18 e 29 anos) e negros (83,1%), mortos nas ruas das grandes cidades.

"Sob o discurso da 'guerra às drogas', o Estado brasileiro, por décadas, tem justificado operações policiais militarizadas que têm como alvo áreas com maior concentração de pessoas negras e favelas", afirmam as entidades, em um comunicado.

"Essa narrativa leva à criminalização dessas populações, sujeitas ao uso desnecessário e excessivo da força por agentes de segurança pública, o que, em muitos casos, resulta em execuções extrajudiciais, especialmente de jovens, inclusive adolescentes, que vivem nessas áreas", declararam.

Durante a audiência, os movimentos e entidades vão apresentar recomendações, que envolvem também medidas de controle externo da atividade policial e a redução da letalidade.

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São elas:

Estabelecer políticas para vítimas de abusos de direitos humanos e suas famílias, as quais garantam apoio oportuno e eficaz independentemente de decisões judiciais, incluindo serviços de saúde mental, proteção e representação legal.

Tomar medidas urgentes para revisar as leis antidrogas, especialmente a Lei no 11.343/2006, e estabelecer alternativas à criminalização de infrações menores não violentas relacionadas a drogas, que não causem danos a terceiros.

Implementar um plano para reduzir os assassinatos resultantes da letalidade policial, violência armada e execuções extrajudiciais. Tais iniciativas devem ser adequadamente financiadas e garantir a participação efetiva de organizações da sociedade civil, movimentos sociais afro-brasileiros e outras comunidades afetadas. Além disso, instamos que tais iniciativas também levem em consideração os aspectos interseccionais dos assassinatos ilegais pela polícia, bem como as disparidades regionais e diferenças entre estados.

Impor controle rigoroso sobre o uso de armas de fogo de alto poder (como fuzis) e armas automáticas, garantindo que não sejam utilizadas durante operações policiais em favelas e outras áreas urbanas densamente povoadas, exceto em conformidade com padrões internacionais sobre o uso da força em circunstâncias de perigo extremo inevitável e excepcional. Qualquer uso da força deve respeitar os princípios de legalidade, necessidade, proporcionalidade e responsabilidade.

Estabelecer claramente, em leis e regulamentos, a responsabilidade de oficiais comandantes e outros superiores por condutas ilegais realizadas pela polícia.

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Garantir a proteção dos envolvidos em denúncias, investigações e processos criminais contra a polícia e realizar investigações completas sobre o assassinato e eventuais ameaças contra aqueles que conduzem investigações.

Revisar por completo a abordagem fortemente militarizada para o controle de drogas ilícitas, especialmente em favelas e comunidades negras, e adotar uma abordagem que coloque a proteção da saúde pública e dos direitos humanos no centro, incluindo a descriminalização do uso, posse e cultivo de drogas para uso pessoal e a expansão de serviços de saúde e outros serviços sociais para abordar os riscos relacionados ao uso de drogas.

Restringir o uso das Forças Armadas na manutenção da ordem pública apenas como medida temporária em circunstâncias excepcionalmente graves em que seja impossível confiar exclusivamente em agências de aplicação da lei. Nessas circunstâncias excepcionais, sua participação deve ser subordinada e complementar às forças policiais civis e ser regulamentada e supervisionada por autoridades civis. Investigações sobre violações de direitos humanos por autoridades militares ocorridas nessas situações devem ser conduzidas por tribunais civis.

Tomar medidas imediatas para combater o racismo sistêmico na sociedade brasileira e o papel central que desempenha no policiamento de favelas e comunidades negras, inclusive em operações antidrogas.

Investigar prontamente, de forma independente e imparcial, todas as alegações de perfilamento racial e discriminação racial entre as forças policiais e de segurança e implementar todas as reformas apropriadas para proibir o perfilamento racial na condução do policiamento.

Condenar publicamente, no mais alto nível do governo, execuções extrajudiciais, desaparecimentos forçados e outros assassinatos ilegais cometidos no contexto de operações policiais, e enviar mensagens públicas de que o racismo em operações policiais não será mais tolerado.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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