Brasil, México e Colômbia tentarão criar diálogo entre Maduro e oposição
Os presidentes de Brasil, México e Colômbia vão iniciar um processo para tentar a abertura de canais de diálogo, tanto com a oposição como com o regime de Nicolás Maduro. O objetivo é usar entre agora e o dia 10 de janeiro, quando o novo mandato presidencial começa, para chegar a algum tipo de acordo político.
Na quinta-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva manteve um diálogo com os demais chefes de Estado e uma nota foi publicada, na qual se pede que Caracas divulgue as atas da eleição realizada no último fim de semana.
O UOL apurou, porém, que a reunião também serviu para estabelecer o compromisso de criar uma estratégia para tentar desarmar a crise. Os presidentes dos três países vão instruir seus respectivos chanceleres a buscar maneiras de abrir negociações com todas as forças políticas na Venezuela.
A esperança é de que isso possa reduzir a tensão e, ao mesmo tempo, deixar claro para Maduro que uma saída eleitoral é sua melhor chance de acabar com a profunda instabilidade política e econômica.
Acordo cada vez mais difícil
O governo brasileiro admite que, com a demora na publicação das atas e com as declarações de vitória por parte da oposição, está cada vez mais difícil imaginar que haverá um consenso sobre qual foi o verdadeiro resultado da eleição.
A estratégia, portanto, é a de começar um diálogo, tanto com a oposição quanto com o governo Maduro para tentar entender o que cada um está disposto a fazer para evitar uma onda de violência. Por enquanto, porém, a constatação de experientes diplomatas é de que cada parte está ainda querendo fortalecer sua narrativa para entrar em qualquer tipo de negociação em posição de força.
Abandonar a Venezuela, no entanto, é considerado como um ato que poderia jogar o país e toda a região numa profunda instabilidade. Um eventual primeiro passo pode ser o de repetir o gesto do Brasil de representar a Argentina em Caracas e, assim, mostrar que existem atores que ainda estão interessados em uma solução política e, ao mesmo tempo, tentar impedir uma onda de violência.
Internamente, o governo brasileiro trabalha com a perspectiva de cerca de 20 mortos. Mas se esse número subir para cem ou mais, não haverá garantias de que a crise possa ser freara.
O que nem Brasília, Bogotá ou Cidade do México sabem neste momento é até onde cada uma das forças políticas dentro da Venezuela está disposta a ir para fazer vingar sua posição.
ONU aposta na trinca latino-americana
Os três países ainda têm sido elogiado e até alvo de agradecimentos públicos por parte da oposição venezuelana, diante da postura de não reconhecer a suposta vitória de Maduro, conforme o próprio presidente declarou.
Colômbia, México e Brasil são ainda considerados pela ONU como a melhor oportunidade que a comunidade internacional têm para convencer Maduro a não direcionar o país a mais uma onda de violência e que, nos últimos anos, gerou um dos maiores êxodos do mundo.
A esperança nos três países recai sobre o fato de formarem parte de tradicionais movimentos progressistas e terem, nos últimos meses, mantido um canal aberto de diálogo com Maduro.
Nem EUA e nem China têm espaço
Ainda que o governo de Joe Biden tenha canais com a oposição e tenha costurado o acordo de outubro de 2023 com Maduro, a Casa Branca hoje não é mais vista como um ator capaz de promover o diálogo. "Ninguém sabe quem estará no comando do país em poucas semanas", explicou um negociador. "Portanto, não se sabe exatamente se uma proposta tem credibilidade e se irá sobreviver", completou.
Do outro lado, qualquer sinalização de um papel de mediador para Rússia ou China seria rejeitado pela oposição venezuelana.
A chefe da comissão que investiga os crimes na Venezuela, criada pela ONU, a portuguesa Marta Valiñas, também destaca que a pressão dos países da região latino-americana pode ser a única saída.
"Eu penso que o importante neste momento é todos os atores internacionais, desde organismos de direitos humanos — como ONU e organismos regionais como a OEA (Organização dos Estados Americanos) —, mas também vários países, incluindo aqueles da região que estão mais próximos da Venezuela, possam falar de uma forma assertiva, clara, e fazer alguma pressão sobre o governo da Venezuela com vista a uma maior transparência possível e a não reconhecer o resultado das eleições a não ser que exista esse esforço de transparência", disse, em entrevista à agência Lusa.
Ela lembra que Maduro ainda esta semana "insultou de uma forma bastante condenável o alto comissário da ONU para os Direitos Humanos, Volker Türk, e não parece fazer grande caso sobre o que o secretário-geral das Nações Unidas [António Guterres] tem dito também sobre a necessidade de transparência".
Para Marta Valiñas, só os "atores que têm interesses na Venezuela" podem forçar o regime a ser mais transparente, como já aconteceu no passado.
"Eu acho que quase que a nossa única esperança é nesses países da região, que já se viu no passado que têm uma certa influência naquilo que Nicolás Maduro depois acaba por fazer. Isso viu-se quando se confirmou [em março passado] a impossibilidade de Maria Corina Machado ser candidata às eleições presidenciais e depois impossibilitaram também a inscrição da sua substituta", nota a jurista portuguesa.
"Foi depois, com as reações do Brasil e da Colômbia especialmente, mas também de outros países da região, que acharam que era inaceitável o que se estava a passar, que se abriu excepcionalmente o prazo para inscrição do terceiro candidato, que acabou por ser o candidato às eleições presidenciais, Edmundo González", que reivindica uma vitória clara nas eleições de domingo passado.
"Portanto eu acho que sim, que há ainda um espaço de influência que é preciso usar", diz, considerando que "só assim se poderiam acalmar os ânimos e evitar que a violência se multiplique", aquilo que "é o mais importante neste momento".
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