Jamil Chade

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Usado como arma ideológica por Bolsonaro, 'Disque 100' é reformulado

O governo brasileiro promove uma reformulação num dos principais canais para receber denúncias de violações de direitos humanos, o Disque 100. De acordo com o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, o novo serviço vai passar por melhorias para preservar as garantias individuais, em mudanças que estarão implementadas até o final do ano.

A pasta liderada por Silvio de Almeida ainda anuncia neste sábado a atualização visual do canal de denúncias da Ouvidoria Nacional com valores de dignidade e inclusão.

Criado em 1997, o Disque 100 é hoje um serviço público vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos. Cabe à pasta receber, analisar e encaminhar denúncias de violações de direitos. A sistematização das denúncias é também considerada como um instrumento para que gestores públicos, sociedade civil e pesquisadores possam monitorar a situação dos direitos humanos no país.

No entanto, o canal foi desvirtuado no governo Bolsonaro. Uma das queixas era de que o então Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos editou uma nota técnica em que afirmava ser uma violação de direitos humanos a exigência de comprovante de vacina para acesso a locais públicos ou privados. As acusações de outras manipulações para atender aos objetivos ideológicos do governo Bolsonaro também criaram polêmicas.

Agora, o governo Lula prevê "uma série de melhorias significativas, como atendimento mais personalizado, monitoramento e acompanhamento das denúncias de forma mais consistente".

"Os operadores contarão com suporte psicológico individual e formação continuada em direitos humanos, visando oferecer um atendimento dinâmico e qualificado. A central continuará operando 24 horas por dia, todos os dias da semana, mantendo o compromisso com a acessibilidade e a qualidade no atendimento", afirmou a pasta de Silvio Almeida, em nota.

"Essas mudanças visam fortalecer a capacidade do Disque 100 em preservar as garantias individuais e concretizar os direitos fundamentais das pessoas, com um foco especial na efetividade do relato de violações de direitos humanos. A expectativa é de que a mudança se dê até o fim deste ano", indicou.

Nova marca do Disque 100

O Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania ainda reformulou a marca do Disque 100. "A identidade visual moderniza e conecta a logo com a atualidade e as novas tecnologias, e é parte do aprimoramento do serviço, que passará por nova licitação para garantir um atendimento ainda mais eficiente, humanizado e com suporte contínuo", disse.

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"A nova cara do Disque 100 remete a uma caixa de diálogo virtual e foi desenvolvida com base em um estudo aprofundado que enfatiza a comunicação e o diálogo, aspectos essenciais para o processo de denúncia de violações de direitos humanos", explicou a pasta.

As cores da marca - roxo, verde, amarelo e vermelho -, respectivamente, foram selecionadas para refletir propósitos específicos: dignidade e respeito, esperança e renovação, luz e positividade, e paixão pela justiça.

"Além disso, a diversidade cromática celebra a riqueza da pluralidade humana e a união em prol de um objetivo comum", diz. A acessibilidade foi uma prioridade no desenvolvimento da nova identidade, garantindo que todas as pessoas, independentemente de suas habilidades físicas ou cognitivas, possam interagir efetivamente com a marca.

Denúncias contra a gestão de Damares Alves

Em 2022, professores e profissionais de saúde denunciaram a instrumentalização do Disque 100 pelo governo federal para perseguição política e para a adoção de uma política de vigilância, ainda sob a gestão de Damares Alves no comando da pasta.

Numa ação apresentada no Supremo Tribunal Federal, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Saúde (CNTS) alertaram para abusos.

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De acordo com os grupos, o canal originalmente criado para receber denúncias de abusos de direitos humanos passou a ser usado para constranger profissionais de educação, demais cidadãos e instituições com visões diferentes às do governo federal em questões como vacinação, identidade de gênero e orientação sexual.

"Conceitos de direitos humanos vêm sendo subvertidos de forma a permitir a execução de uma política de vigilância, perseguição, discriminação e repressão, sobretudo nos campos da Educação e da Saúde", disse a ação.

"O Disque 100 foi disponibilizado para recebimento desse tipo de denúncias, em mais uma ação de combate às medidas de contenção da pandemia de Covid-19. Mais uma vez, a instrumentalização do Disque 100 desrespeita decisão do Supremo, que afirmou a legalidade de restrições indiretas para ampliação da cobertura vacinal no país", apontaram as entidades.

Ideologia de gênero

Outra queixa na ação se referia às mudanças nos protocolos do Disque 100 para a inclusão da expressão "ideologia de gênero" como motivação para violação de direitos humanos. Para os grupos que lideraram o processo, tal medida tinha como objetivo estimular denúncias contra profissionais de educação que abordem a questão nas escolas.

Uma das preocupações das entidades que apresentaram a ação é com a possibilidade de que órgãos policiais sejam acionados a partir das informações recebidas pelo Disque 100 contra profissionais de educação.

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"Isso aconteceu em dezembro de 2021 no município de Resende (RJ), onde a direção da Escola Municipal Getúlio Vargas recebeu intimação da Polícia Civil devido a uma denúncia anônima por supostamente expor os alunos a "conceitos comunistas" e a "ideologia de gênero", descreve os autores da ação. Outro caso envolveu uma professora de filosofia da escola estadual Thales de Azevedo em Salvador (BA) por abordar questões de gênero, racismo e sexualidade.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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