Pai das Olimpíadas queria mulher só aplaudindo homem; paridade marca Paris
Levou quase 130 anos. Mas, finalmente, os Jogos Olímpicos de Paris terão uma paridade de homens e mulheres no evento. Pelo menos essa é a versão oficial do COI (Comitê Olímpico Internacional), ainda que as comissões técnicas continuem sendo dominadas por homens. Ainda assim, trata-se de uma das raras traições cometidas em relação ao ideal e regras estabelecidas pelo pai do movimento olímpico moderno, o barão Pierre de Coubertin.
O UOL teve acesso aos arquivos do fundador do movimento olímpico moderno, com sede em Lausanne (Suíça). Em seus documentos, anotações e entrevistas, Coubertin traça o que seria, pelo menos em sua opinião, a base do "olimpismo". Mas, de forma escancarada, o francês não deixava espaço para dúvidas: não haveria motivo para incluir as mulheres nos Jogos, salve para aplaudir na entrega dos prêmios aos homens.
Para o pai das Olimpíadas da Era Moderna, o movimento que ele criou deveria se focar exclusivamente em promover os Jogos e apostar na "única exaltação do atletismo masculino, baseado no internacionalismo, com base na justiça e no cenário artístico, com os aplausos das mulheres como único prêmio".
Pressionado, Coubertin chegou a refletir sobre a realização de um evento separado para mulheres, mas deixou claro que seriam "semi-Olimpiadas" e que não teriam nem apelo nem interesse.
"Não hesitaria em dizer que não seria apropriado", disse. E ele foi além, indicando que eventos femininos "não são cenas que multidões gostariam de ver em Jogos".
Ao longo de décadas, o COI vem tentando superar essa posição, não apenas para se adaptar aos tempos, mas para transformar os jogos em realmente um evento para todos. Jacques Rogge, o ex-presidente da entidade, colocou esse ponto como uma de suas metas e deixou o cargo em 2013 com avanços reais.
Em 2012, pela primeira vez, todas as 204 federações nacionais levaram mulheres em suas comitivas, algo inédito na história das Olimpíadas. Naquele ano, 46% dos atletas — cerca de 4.800 — foram mulheres. Doze anos depois, finalmente chega a paridade.
Em Atenas m 1896, o evento era exclusivamente masculino. Em 1900, justamente em Paris, foram autorizadas 22 mulheres, num evento com 990 homens.
Em Roma, em 1960, apenas um a cada dez atletas era uma mulher. O evento na capital italiana foi, por exemplo, a primeira participação real de mulheres de diversos países ocidentais, entre eles a Espanha. Mesmo em Sidnei, na virada do século, as mulheres eram apenas um terço dos participantes.
O mais próximo a uma paridade ocorreu em Tóquio, em 2021, quando as mulheres foram 47% dos participantes.
Para promover a correção, o COI estabeleceu duas estratégias: a primeira foi a de convencer todas as delegações a levar mulheres aos eventos. Depois de meses de negociação, os sauditas finalmente aceitaram abrir uma brecha e levaram duas mulheres em 2012. Foi também a primeira vez que uma mulher teve a responsabilidade de levar uma bandeira de um país árabe, no caso o Catar.
A segunda parcela da estratégia era a de garantir qu todos os esportes teriam modalidades femininas. Faltava o boxe, que acabou entrando na agenda de Londres.
O resultado é transformação na composição das equipes. Algumas das delegações chegam a levar um maior número de mulheres que de homens, como no caso dos Estados Unidos — 314 mulheres e 278 homens — e, agora, do Brasil — que, pela primeira vez, terá 277 mulheres atletas (55% da delegação). No caso americano, as mulheres superaram os homens ao abocanhar as medalhas nas últimas quatro olimpíadas.
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JAMIL CHADE
Todo sábado, Jamil escreve sobre temas sociais para uma personalidade com base em sua carreira de correspondente.
Quero receberEm Paris, serão distribuídas 329 medalhas. 152 para mulheres e 157 para homens, além de 20 eventos mistos. No total, mais de 5.000 mulheres estarão competindo.
Outra novidade será a maratona para mulheres encerrando os jogos. Tradicionalmente, era a maratona para homens que tinha essa função.
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