Jamil Chade

Jamil Chade

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Reportagem

Macron sinaliza respaldo a Lula na Venezuela; Brasil quer apoio de Boric

O presidente da França, Emmanuel Macron, sinalizou um respaldo ao esforço do Brasil de abrir canais de diálogo na Venezuela para tentar superar a crise em Caracas. Num telefone nesta manhã, o chefe de Estado francês falou com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a situação e, segundo o Palácio do Planalto "elogiou" a postura brasileira.

"Macron elogiou a posição de Brasil, Colômbia e México emitida em nota conjunta na última quinta-feira (1º), e a posição do país de estimulo ao diálogo entre o governo e a oposição venezuelana", diz a nota. "O presidente Lula reiterou seu compromisso com a busca de uma solução pacífica entre as partes e que respeite a soberania do povo venezuelano", afirmou.

O presidente francês também fez uma publicação no X, antigo Twitter, sobre a conversa. "Nós apoiamos com o presidente Lula a aspiração do povo venezuelano por uma eleição transparente. Essa exigência está no coração de toda democracia", disse Macron.

Fontes que estavam na reunião confirmaram ao UOL que o tom usado por Macron foi de "respaldo". A UE, numa nota conjunta na noite de domingo, insistiu que não havia como considerar que Maduro tenha vencido a eleição. Mas não repetiu a postura americana de declarar como vitorioso o candidato Edmundo Gonzalez.

Macron surpreendeu em 2023 ao trocar algumas palavras num evento internacional com Nicolás Maduro. Em julho do ano passado, o francês chegou a se reunir com Lula e integrantes da oposição e do governo venezuelano. Aos europeus, a ideia da normalização da relação com a Venezuela era considerada como estratégica, principalmente diante do impacto do fornecimento de energia por conta da guerra na Ucrânia.

Ainda assim, diante da postura de Maduro, os europeus chegaram a um acordo neste fim de semana para pressionar Caracas a mostrar transparência. Não há, neste momento, um reconhecimento por parte da UE do resultado proclamado pelo venezuelano.

Lula quer apoio de Boric e declaração em negociação

Se os europeus sinalizam nesta direção, Lula vai aproveitar sua primeira viagem ao Chile, nesta segunda-feira, para também convencer o presidente Gabriel Boric a apoiar o esforço dos três governos latino-americanos na busca por diálogo. Uma declaração conjunta está sendo negociada e, segundo o rascunho do texto, apontava na direção de um compromisso nesse sentido.

Continua após a publicidade

Enquanto o chileno foi um dos primeiros a denunciar a fraude de Nicolás Maduro, o governo brasileiro optou por não reconhecer por enquanto nenhum dos resultados —nem a vitória do ditador venezuelano e tampouco chancelou o que diz a oposição.

Para o Brasil não faria sentido pedir que o Chile entre no grupo formado por Lula e seus homólogos na Colômbia e México. Isso, na avaliação dos negociadores, poderia fechar canais com o governo Maduro e impedir o avanço do processo. Os chilenos foram expulsos de Caracas depois de denunciar a fraude.

Ainda assim, Lula vai pedir que Boric atue para respaldar o processo, ainda que não oficialmente faça parte. A esperança é a de convencer a oposição a abandonar um tom mais radical e que, assim, o diálogo possa ocorrer.

Boric é visto pelo governo brasileiro como um ator que adotou uma postura menos radical que Javier Milei e outros presidentes da região. O chileno, até agora, não reconheceu nem a vitória de Maduro e nem a de Edmundo Gonzalez.

Qual o plano?

Agora, todo o esforço de Brasil, México e Colômbia é de iniciar o diálogo com a oposição e a busca para criar um canal de mediação com o governo Maduro. A esperança dos brasileiros é de que o posicionamento desses três países seja considerada como a melhor alternativa para que haja uma saída pacífica. Para isso, esses governos tentam convencer a outros parceiros - entre eles, o Chile - a se unir nesse processo de abertura de canais de diálogo.

Continua após a publicidade

Por enquanto, porém, Brasil, México e Colômbia acreditam que o processo não deve incluir Maria Corina Machado, uma das figuras-chaves das denúncias contra o regime venezuelano nos últimos anos e mobilizadora de milhões de seguidores.

A constatação dos três países é que, neste momento, será necessário que o processo tenha como interlocutor o ator político que de fato era o concorrente na eleição, no caso Edmundo Gonzalez.

Se Corina Machado moderar seu tom, não se exclui que ela poderia ser convidada a participar do processo de diálogo. Mas, neste momento, seu envolvimento direto poderia ser considerado como um obstáculo a qualquer gesto por parte de Maduro e até mesmo para que a mediação possa existir.

A opositora foi inabilitada de sua candidatura, no início do ano. A decisão das autoridades venezuelanas causou constrangimento entre os fiadores do pacto fechado em outubro de 2023 e que previa as regras para a eleição, realizada há uma semana. O presidente de Colômbia, Gustavo Petro, qualificou o gesto de "golpe antidemocrático".

Mas, segundo observadores da ONU, o que chamou a atenção é que governos como o dos EUA e da Europa não abandonaram o plano de seguir adiante com a eleição, mesmo com a decisão arbitrária de Caracas contra a líder da oposição. A recomendação: busquem outro nome.

Também foi considerado como estratégica a pressão de governos como o do Brasil sobre Maduro, o que acabou permitindo que Caracas aceitasse a nomeação de um substituto para Corina Machado, no caso o próprio Edmundo Gonzalez.

Continua após a publicidade

Em 2023, Corina Machado tinha vencido a votação que escolheria o nome da pessoa que enfrentaria Maduro nas urnas. Ela somou 92,5% de apoio. Mas sua vitória avassaladora era muito mais uma estratégia que um sentimento de consenso ao redor de seu nome.

Nos bastidores, muitos se mostravam insatisfeitos com suas posturas consideradas como radicais. Em 2018, ela criticou aqueles que buscaram um diálogo com Maduro. No ano seguinte, sinalizou que poderia aceitar uma intervenção armada. "Um regime criminoso apenas pode sair diante da ameaça do uso da força", disse.

Anos antes, seus encontros com o então presidente americano George W. Bush foram vistos como a comprovação de sua simpatia pelo poder na Casa Branca e reforçava o discurso de Hugo Chávez de que se tratava apenas de um instrumento do imperialismo. Sua família de industriais ainda era usada como um argumento aos chavistas de que se tratava apenas de uma "burguesinha".

Ao longo dos anos, a radicalização de ambos os lados levou a uma situação de tensão. Chávez chegou a esnobá-la em um debate, alertando não discutia com alguém sem poder. "Uma águia não caça-moscas", disse o então presidente. Ela, que era deputada, o acusava de "ladrão" e de estar levando a Venezuela ao colapso.

Em 2002, no golpe contra Chávez, Corina Machado ainda esteve presente no palácio presidencial. Naquele momento, ela assinou o que ficou chamado como o "Decreto Carmona", ato que estabelecia o governo de fato do empresário Pedro Carmona Estanga. Chávez, porém, voltaria ao poder, o que a colocou de uma forma permanente para o chavismo como um alvo de censura, de medidas judiciais e ataques.

Por isso, tanto em Brasília como em Bogotá, negociadores costuraram com Edmundo Gonzalez um entendimento de que, se o diálogo se transformar numa realidade, será ele o canal, e não a opositora.

Continua após a publicidade

Moderação?

Membros da oposição, porém, insistem que Corina Machado passou por uma transição nos últimos anos, adotando uma postura mais conciliadora e pragmática. Uma prova seria sua decisão de não romper com o processo eleitoral e, mesmo inabilitada, deu apoio ao candidato Edmundo Gonzalez.

Para Maduro, porém, seu histórico não permite que, neste momento, haja espaço para um diálogo.

Na semana passada, os presidentes de Brasil, México e Colômbia fecharam um entendimento de que vão iniciar um processo para tentar a abertura de canais de diálogo, tanto com a oposição como com o regime de Nicolás Maduro. O objetivo é usar entre agora e o dia 10 de janeiro, quando o novo mandato presidencial começa, para chegar a algum tipo de acordo político.

Na quinta-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva manteve um diálogo com os demais chefes de Estado e uma nota foi publicada, na qual se pede que Caracas divulgue as atas da eleição realizada no último fim de semana.

O UOL apurou, porém, que a reunião também serviu para estabelecer o compromisso de criar uma estratégia para tentar desarmar a crise. Os presidentes dos três países vão instruir seus respectivos chanceleres a buscar maneiras de abrir negociações com todas as forças políticas na Venezuela.

Continua após a publicidade

A esperança é de que isso possa reduzir a tensão e, ao mesmo tempo, deixar claro para Maduro que uma saída eleitoral é sua melhor chance de acabar com a profunda instabilidade política e econômica.

Acordo cada vez mais difícil

O governo brasileiro admite que, com a demora na publicação das atas e com as declarações de vitória por parte da oposição, ficou difícil imaginar que haverá um consenso sobre qual foi o verdadeiro resultado da eleição.

A estratégia, portanto, é a de começar um diálogo, tanto com a oposição quanto com o governo Maduro para tentar entender o que cada um está disposto a fazer para evitar uma onda de violência. Por enquanto, porém, a constatação de experientes diplomatas é de que cada parte está ainda querendo fortalecer sua narrativa para entrar em qualquer tipo de negociação em posição de força.

Abandonar a Venezuela, no entanto, é considerado como um ato que poderia jogar o país e toda a região numa profunda instabilidade. Um eventual primeiro passo pode ser o de repetir o gesto do Brasil de representar a Argentina em Caracas e, assim, mostrar que existem atores que ainda estão interessados em uma solução política e, ao mesmo tempo, tentar impedir uma onda de violência.

Internamente, o governo brasileiro trabalha com a perspectiva de cerca de 20 mortos. Mas se esse número subir para cem ou mais, não haverá garantias de que a crise possa ser freada.

Continua após a publicidade

O que nem Brasília, Bogotá ou Cidade do México sabem neste momento é até onde cada uma das forças políticas dentro da Venezuela está disposta a ir para fazer vingar sua posição.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Deixe seu comentário

Só para assinantes