Jamil Chade

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Lula e Maduro articulam telefonema, mas tom de petista será de cobrança

Os governos do Brasil e da Venezuela articulam uma conversa entre os dois presidentes, Luiz Inácio Lula da Silva e Nicolás Maduro. Uma definição pode ocorrer ao longo desta segunda-feira (19), ainda que a conversa não necessariamente ocorra nesta semana.

Maduro, desde o final do processo eleitoral, tem solicitado uma conversa com Lula. Mas o temor no Palácio do Planalto é de que a conversa possa ser usada na narrativa do venezuelano, para justificar sua posição de que venceu a eleição. Além disso, poderia minar as chances de manter abertos os canais com os principais nomes da oposição para permitir que o Brasil atue como uma espécie de mediador na crise, ao lado da Colômbia.

Lula já conversou com os chefes de Estado e de governo de França, Canadá, EUA, México, Colômbia e Chile, enquanto o chanceler brasileiros Mauro Vieira também manteve contatos com os chefes da diplomacia do Reino Unido e de outros países.

Para que a conversa ocorra, ficou claro do lado brasileiro de que regras terão de ser estabelecidas sobre como seria divulgado o conteúdo e, acima de tudo, que Maduro esteja disposto a ouvir as cobranças que Lula já fez de forma pública. Ou seja: a publicação das atas da eleição, com todos os detalhes sobre a votação.

De fato, a cobrança sobre Maduro para que seja transparente nos resultados da eleição realizada no dia 28 de julho ganhou novos contorno depois que a pressão passou a incluir praticamente todos os governos latino-americanos, a aprovação por consenso de uma resolução na OEA, as denúncias de repressão por parte da ONU e a constatação dos observadores internacionais das irregularidades no processo eleitoral.

Mas fundamental nesse processo tem sido a recusa por parte do governo brasileiro de chancelar Maduro como o vitorioso na eleição. Lula, desde 2023, havia atuado para restaurar a relação bilateral, mas também para abrir caminho para uma normalização de Maduro na comunidade internacional.

O Brasil foi o fiador dos Acordos de Barbados, de outubro de 2023, que permitiram a realização das eleições, e ainda teve um papel fundamental em fazer a ponte entre Caracas e governos estrangeiros, na esperança da retirada de sanções.

Ter a chancela do Brasil para seu processo, portanto, era chave para Maduro. Nos dias seguintes à eleição, o venezuelano tentou telefonar para Lula, que se recusou a atendê-lo.

Lula ainda orientou a embaixadora do Brasil em Caracas a não estar presente nos atos oficiais que designariam a vitória de Maduro.

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O Itamaraty não adotou a postura de alguns dos países da região, que denunciaram a fraude na eleição e consideraram Edmundo González como vitorioso. Isso, na visão do Brasil, fecharia a possibilidade de diálogo com Maduro.

Mas, ainda assim, no governo venezuelano, a atitude brasileira foi recebida com preocupação.

Se entre os principais interlocutores de Maduro estão os governos do México e da Colômbia, Caracas sabe da importância do Brasil como um dos poucos atores capazes de interceder pela Venezuela em diálogos com norte-americanos e europeus.

Por isso, a posição de Maduro, até o momento, tem sido de cautela. Seu governo rejeitou publicamente as ideias de Lula de um governo de coalizão nacional e o estabelecimento de novas eleições. Mas evitou a tradicional forma de tratar os opositores, com expulsão de diplomatas ou ofensas públicas.

Ao rebater Lula, Maduro apenas lembrou que o governo Bolsonaro, "aliado à extrema direita fascista da Venezuela, também gritou fraude e não aceitou a derrota", nas eleições de 2022.

"Foi o tribunal do Brasil que decidiu. E ninguém saiu do governo da Venezuela ou do mundo a pedir nada. Decidiu o tribunal? Santa palavra do tribunal do Brasil", disse. "É um assunto do Brasil", insistiu.

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Maduro ainda mencionou os ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023, em Brasília. "Da parte da Venezuela, condenamos a violência do fascismo", disse. E mandou um recado: "não praticamos jamais a diplomacia do microfone".

Ou seja, ele quer um ligação telefônica com Lula para debater o tema e não iria responder por meio da imprensa.

Do lado brasileiro, a resposta por canais extra oficiais foi que haveria espaço para uma conversa. Mas com condições: ela seria também com Gustavo Petro, presidente da Colômbia, e o tom de cobrança seria repetido.

Pragmático, o governo brasileiro sabe que não pode simplesmente abandonar a Venezuela ou romper relações. A crise em Caracas é considerada um tema de segurança nacional, por causa do fluxo de refugiados e imigrantes, assim como geopolítico, por ser um palco de disputa de influências entre norte-americanos, russos e chineses.

Não por acaso, o Brasil foi costurar apoio dos governos europeus e norte-americano para manter viva sua estratégia de buscar abrir canais de diálogo entre a oposição venezuelana e Maduro. O governo também tenta costurar apoios externos ao processo, na esperança de que não se repita o cenário de Juan Guaidó, o presidente autoproclamado que levou europeus e norte-americanos a reconhecê-lo. Meses depois, a União Europeia reverteu sua atitude.

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