Rússia diz a Brasil e China que exigir fim de invasão não levará à paz
O chanceler russo Sergei Lavrov sinalizou que está disposto a "ajudar" o grupo de amigos da paz criado pelo Brasil e China para chegar a um entendimento sobre a guerra na Ucrânia. Mas alertou que um processo terá de levar em conta aspectos como a segurança da Rússia e a autodeterminação das regiões invadidas no leste ucraniano. Apenas exigir o fim da invasão conduzida há dois anos e o retorno da integridade territorial ucraniana não serão aspectos suficientes para que Moscou aceite negociar.
Falando diante da Assembleia Geral das Nações Unidas, o representante do governo de Vladimir Putin ainda sinalizou de forma positiva diante das propostas de mediação para a guerra na Ucrânia, lideradas pela China e Brasil, mesmo sem citar textualmente os países envolvidos.
Momentos depois, ao ser questionado pelo UOL, Lavrov explicou que fez consultas com Brasil e China sobre o novo grupo criado. "Estamos dispostos a dar assistência e recomendações a eles para que suas propostas estejam baseadas na realidade, e não apenas com base em conversas abstratas", disse o russo. "Estamos dispostos a ajudar", confirmou.
Na sexta-feira, Pequim e Brasília criaram um grupo de países emergentes para costurar uma ofensiva diplomática que possa conduzir ucranianos e russos a uma negociação. Celso Amorim, o assessor especial do Palácio do Planalto, afirmou que aquele não era "o grupo de amigos da Rússia" e nem o "grupo de amigos da Ucrânia". Mas sim o "grupo de amigos da paz".
Nos últimos dias, a diplomacia ucraniana tentou convencer aliados e imprensa internacional que a iniciativa brasileira era uma chancela aos russos e seus interesses. Uma suposta "prova" disso seria o fato de o governo Lula ter se encontrado com Sergei Lavrov horas depois de apresentar o projeto.
O que evitaram dizer é que, dias antes, o chanceler Mauro Vieira havia estado com os ucranianos, nos primeiros dias da Assembleia Geral da ONU. Fotos do encontro desmentem a versão ucraniana.
Em seu discurso neste sábado na Assembleia Geral da ONU, Lavrov fez referências aos diferentes planos de paz que existem para lidar com a guerra na Ucrânia. O russo insistiu que o projeto de Volodymyr Zelensky, presidente ucraniano, não será base para uma negociação e criticou o fato de que o Ocidente considera o plano como a "última alternativa". A proposta prevê a total retirada das tropas russas dos territórios invadidos, algo que o Kremlin consideraria como uma capitulação.
Lavrov, porém, sinalizou que estaria disposto a examinar outras iniciativas e disse "valorizar" os "esforços de parceiros" em busca de outros caminhos.
Só integridade territorial da Ucrânia não basta para negociar
Lavrov admitiu que conversou com a delegação chinesa para entender como seriam implementadas as ações concretas que levariam à paz, mas entendeu que o trabalho ainda está em um "estágio de consideração". Ele, porém, sugeriu que um mapa fosse estabelecido, ao estilo do que foi feito no conflito entre Israel e Palestina, ainda nos anos 90.
Ele também questionou o motivo pelo qual França e Suíça estavam na reunião da sexta-feira, ao lado de Brasil, China e os demais emergentes. Lavrov relatou que os organizadores explicaram que havia sido um pedido dos europeus. Lavrov lembrou que os franceses são parte da Otan e que não há como dizer que são "neutros". Mas, ainda assim, sinalizou que optou por dar uma oportunidade ao grupo. "Vamos ver o que podem produzir", disse.
Para ele, não existe qualquer opção para a paz que não considere as causas do conflito. "Falei com brasileiros e chineses", disse.
Sua posição é de que apenas a integridade territorial da Ucrânia não pode ser o ponto central do debate e insistiu que, na Carta da ONU, a questão da autodeterminação dos povos também precisa ser considerada.
"Aqueles que querem ajudar precisam olhar para a raiz dos problemas. Não se pode usar apenas um trecho da Carta da ONU. Ela precisa ser olhada de forma completa", insistiu.
Os russos também insistem que foram as potências Ocidentais quem violaram os acordos fechados nos anos 90. Na queda da URSS; ficou estabelecido que a Otan não iria se expandir.
O russo ainda acusou os ucranianos de tratar os russos no leste do país como animais. "Não poderíamos deixar de agir", insistiu.
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JAMIL CHADE
Todo sábado, Jamil escreve sobre temas sociais para uma personalidade com base em sua carreira de correspondente.
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O governo americano tem uma outra visão e alertou que apenas poderia considerar uma mediação dessa natureza caso a questão da integridade territorial dos ucranianos fosse plenamente preservada. Em outras palavras, os russos teriam de sair da Ucrânia para que houvesse uma negociação.
Para justificar essa posição, a Casa Branca insiste que a negociação deve ter a Carta da ONU como base.
Na sexta-feira, a declaração final do novo grupo de "amigos da paz" traz uma referência à Carta das Nações Unidas, como cobravam os americanos e europeus.
Mas faz ponderações. "Pedimos que sejam mantidos os propósitos e princípios da Carta das Nações Unidas, respeitando a soberania e a integridade territorial dos Estados", diz o documento, assinado por México, Argélia, Indonésia, Egito, África do Sul e outros.
O texto é completado com um aspecto que preocupa os americanos e ucranianos. O documento cita a necessidade de "respeitar as preocupações legítimas de segurança dos Estados e levando em consideração a necessidade de manter os princípios de paz, segurança e prosperidade".
Para a Casa Branca, a redação sinaliza que os mediadores admitem levar em consideração as "preocupações legítimas" do Kremlin diante do que é visto pelos russos como uma ameaça da expansão da Otan.
Brasil no Conselho da ONU
Lavrov, em duros ataques contra as potências ocidentais, insistiu que o Conselho de Segurança precisa passar por uma reforma para incluir "novas vozes" dos países emergentes. Segundo ele, Brasil e Índia devem fazer parte do órgão, assim como os africanos.
Mas ele rejeitou que uma expansão envolva qualquer novo país ocidental. Para ele, o grupo já está "excessivamente representado" no Conselho. Chamando europeu e americanos de "arrogantes", o russo insistiu que é o comportamento desse bloco de países que leva o Conselho a uma paralisia.
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