Israel tenta redesenhar mapa do Oriente Médio e diz que atinge onde desejar
"Esta é a verdade: Israel busca a paz." Foi com essas palavras que o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, introduziu seu discurso diante da Assembleia Geral da ONU, na última sexta-feira (27). Mas menos de uma hora depois de deixar o prédio da ONU, escoltado por um aparato militar que cruzava Nova York, ele deu ordens para matar Hassan Nasrallah, líder histórico do Hezbollah, no Líbano.
Aquela não seria só uma ordem de assassinato. Mas a confirmação de que ele estava redesenhando o mapa político do Oriente Médio. Entre negociadores e fontes na região, a percepção é de que o governo de Netanyahu entendeu que tem uma oportunidade única em gerações de promover uma mudança profunda nos contornos das relações de poder.
Seu governo usou os ataques terroristas do Hamas de 7 de outubro de 2023 como o pretexto perfeito para destruir 80% da economia de Gaza e dois terços dos prédios. Arrancou oliveiras e destruiu até mesmo a única clínica de fertilização artificial da região, num ato interpretado por mulheres como uma destruição também do futuro das famílias.
Intensificou o cerco contra as cidades na Cisjordânia, colocou 7.000 pessoas em prisões e ampliou os assentamentos. Segundo investigações da ONU, a operação num lugar que o Hamas sequer controla visava humilhar os palestinos.
"Os detidos disseram que foram mantidos em instalações semelhantes a gaiolas, despidos por períodos prolongados, usando apenas fraldas", afirmou um levantamento realizado pela entidade. Os depoimentos deles apontam ainda para vendagem prolongada, privação de comida, sono e água, além de submissão a choques elétricos e queimaduras com cigarros.
Alguns detentos disseram que cães foram soltos sobre eles, e outros afirmaram que foram submetidos a afogamento, ou que suas mãos foram amarradas e eles foram suspensos no teto. Algumas mulheres e homens também falaram de violência sexual e de gênero.
No Irã, ao matar em julho o chefe da milícia palestina, Ismail Haniyeh, Israel mostrou uma ampla superioridade de seus serviços de inteligência e humilhou o regime de Ali Khamenei.
A etapa seguinte foi o Hezbollah. A eliminação de Nasrallah foi seguida por uma operação para enfraquecer o grupo no Líbano, invadindo a soberania do país vizinho.
"A eliminação de Nasrallah é um passo muito importante, mas não é o último", disse Yoav Gallant, ministro da Defesa de Israel. "Empregaremos todos os recursos à nossa disposição e, se alguém do outro lado não entender o que esses recursos implicam, queremos dizer todos os recursos", disse.
Em pouco tempo, quase toda a liderança política e militar do grupo, além de comandantes de nível médio, foi assassinada ou tirada de combate.
Ao mesmo tempo, ataques constantes contra bases das milícias no Iêmen completam a ofensiva.
Nenhuma das três dimensões dos ataques ocorre de forma isolada. A operação tem como meta desmontar as proteções iranianas, criadas e intensificadas desde 2020 e que passaram a ser chamadas de "eixo de resistência".
"Não há nenhum lugar —não há nenhum lugar no Irã— que o longo braço de Israel não possa alcançar. E isso se aplica a todo o Oriente Médio", afirmou Netanyahu.
Seu recado era claro: a estratégia de Teerã de criar uma linha de defesa fora do país estava sendo desmontada.
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JAMIL CHADE
Todo sábado, Jamil escreve sobre temas sociais para uma personalidade com base em sua carreira de correspondente.
Quero receberE Netanyahu ainda lançou um alerta aos líderes iranianos ao gravar um vídeo legendado em farsi com uma mensagem ao povo iraniano: em breve, vocês ficarão livres do regime.
Pressionado internamente pelas alas mais radicais e ameaçado por seu rival regional, Ali Khamenei não teve outra opção que não fosse atacar. Mas, uma vez mais, Israel mostrou sua superioridade, agora militar. Os quase 180 mísseis não causaram uma só vítima e confirmaram a capacidade de o país se defender.
Os iranianos também descobriram que Israel conta com uma capacidade real de fazer dano, quando explodiu radares na cidade de Isfahan. Entre os analistas, o gesto foi interpretado como um sinal por parte de Netanyahu de que poderia atingir as instalações nucleares iranianas com a mesma facilidade.
Para diplomatas, porém, há um aspecto central que permite que Israel possa ir adiante com seu plano: a impunidade que reina nas relações internacionais e a incapacidade de qualquer potência frear suas ambições neste momento.
Sem força, a ONU não é capaz de se impor diante de uma transformação dos eixos de poder. Israel operou, nos últimos meses, uma eficiente campanha de deslegitimação do órgão mundial.
Os russos, envolvidos em sua própria guerra na Ucrânia, não estão em condições de abrir uma nova frente militar e sair ao apoio do Irã.
Já os EUA, envolvidos em sua eleição mais crítica em décadas, veem uma corrida entre os candidatos para que provem, à opinião pública, qual deles é o "verdadeiro amigo" de Israel. Kamala Harris, nesta terça-feira, anunciou seu "compromisso total" com a segurança de Israel. Já Donald Trump se considera como um dos aliados mais próximos de Netanyahu, enquanto Joe Biden, enfraquecido, se limitou a chamar o assassinato de Nasrallah de "medida de justiça".
"Se havia um momento para redesenhar um mapa, era agora", admitiu um experiente negociador árabe.
No púlpito da ONU, na última sexta-feira, Netanyahu ainda fez uma declaração que deixou alguns na sala com calafrios. "Basta", disse, sabendo que seu próximo ato seria ordenar um assassinato. E que não haveria nada que o impedisse de ir adiante com seu plano.
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