Jamil Chade

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PL bolsonarista sobre aborto é equivalente à tortura, denuncia ONU em carta

Uma carta enviada por relatoras da ONU e órgãos do sistema internacional ao Brasil alerta que o Projeto de Lei 1904 sobre o aborto viola os padrões internacionais e iria no sentido contrário aos compromissos assumidos pelo Brasil nas esferas estrangeiras no que se refere aos direitos das mulheres. Além disso, a proposta poderia ser equivalente à prática de tortura contra mulheres e meninas.

No ano passado, a Câmara dos Deputados aprovou o regime de urgência para o PL liderado pelo deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) e outros 32 parlamentares. O texto equipara o aborto de gestação acima de 22 semanas ao homicídio. O autor do requerimento de urgência foi o coordenador da Frente Parlamentar Evangélica, deputado Eli Borges (PL-TO).

O documento enviado pelos órgãos da ONU ao governo no dia 11 de março, porém, alerta sobre a ilegalidade internacional que o Brasil estaria cometendo se aprovar o PL.

Se promulgado, o PL alteraria o artigo 128 do Código Penal para criminalizar a interrupção da gravidez com mais de 22 semanas de gestação, independentemente das circunstâncias atualmente autorizadas por lei, como estupro ou ameaça à vida da mulher.

"As penalidades propostas são equivalentes às do crime de homicídio simples, com pena de reclusão de seis a vinte anos", diz.

Atualmente, a interrupção da gravidez só é legalmente permitida em três circunstâncias: em casos de estupro, quando a vida da mulher ou da menina está em risco, ou quando o feto sofre de anencefalia. Nesses casos, não há limite gestacional para a interrupção da gravidez.

A carta, assinada pelas relatoras Laura Nyirinkindi (presidente do Grupo de Trabalho sobre Discriminação contra Mulher), Alexandra Xanthaki (relatora para direitos culturais), Morris Tidball-Binz (relator sobre execuções sumárias) e K.P. Ashwini (relator sobre discriminação).

"Expressamos nossa grave preocupação com o fato de que o Projeto de Lei 1904/2024 e a Proposta de Emenda Constitucional 164/2012, se aprovados, poderão infringir ainda mais os padrões internacionalmente acordados relacionados à dignidade e aos direitos das mulheres e meninas", disseram.

"A criminalização contínua e ampliada do aborto, inclusive conforme proposto para gestações com mais de 22 semanas, afetaria ainda mais vários direitos de mulheres e meninas, colocando suas vidas e saúde em risco", alertaram.

Para eles, as meninas seriam afetadas de forma desproporcional por essas disposições. "Lembramos que a gravidez de crianças e adolescentes representa riscos significativos para suas vidas e pode ter consequências duradouras para seu bem-estar mental e físico", diz a carta. Segundo a ONU, meninas de 15 a 19 anos têm duas vezes mais chances de morrer durante o parto do que mulheres com 20 anos ou mais.

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"Enfatizamos que negar às mulheres o acesso aos serviços de que necessitam primordialmente e não tratar de sua saúde e segurança específicas, incluindo seus direitos à saúde reprodutiva e sexual, é inerentemente discriminatório e impede que as mulheres exerçam controle sobre seus próprios corpos e vidas", disse.

Da mesma forma, as leis que criminalizam o aborto infringem a dignidade e a autonomia das mulheres ao restringir severamente a tomada de decisões pelas mulheres com relação à sua saúde sexual e reprodutiva.

Segundo as relatoras, o Brasil assumiu esses compromissos internacionais.

"A descriminalização do aborto é uma das medidas para lidar com essas condições estruturais. Os órgãos de direitos humanos têm solicitado repetidamente a descriminalização do aborto em todas as circunstâncias", defenderam. "A esse respeito, os especialistas lembram que a descriminalização do aborto é essencial para a proteção dos direitos humanos e que o direito de interromper a gravidez está no centro dos direitos fundamentais das mulheres e meninas à igualdade, dignidade, autonomia, integridade corporal e respeito à vida privada", destacaram.

Na avaliação do grupo, a criminalização do aborto em todas as circunstâncias provavelmente resultaria em um aumento de abortos inseguros e clandestinos, restringindo a tomada de decisão de mulheres e meninas sobre a saúde reprodutiva e colocando suas vidas ainda mais em risco.

Tortura

A carta destaca que órgãos como Comitê contra a Tortura da ONU observou que a criminalização contínua do aborto faz com que muitas mulheres e meninas recorram a abortos clandestinos e inseguros que colocam suas vidas e saúde em risco.

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"O Comitê recomendou que o Brasil revisse seu Código Penal para descriminalizar a interrupção voluntária da gravidez, garantir que todas as mulheres e meninas, inclusive aquelas pertencentes a grupos desfavorecidos, tenham acesso à interrupção voluntária legal da gravidez em condições seguras e dignas, sem assédio ou esforços para criminalizá-las ou a seus prestadores de serviços médicos, e garantir assistência médica às mulheres após a realização de um aborto, independentemente de terem feito isso legal ou ilegalmente", diz.

"Consideramos que as propostas legais, se adotadas, podem infringir os direitos das mulheres e meninas ao mais alto padrão de saúde física e mental", dizem as relatoras.

"Ressaltamos que a negação do acesso a serviços de aborto seguro pode causar dor e sofrimento tremendos e ter consequências duradouras para o bem-estar físico e mental", afirmam.

O Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais esclareceu que os estados têm a obrigação de "respeitar, proteger e cumprir o direito de todos à saúde sexual e reprodutiva", o que inclui "não limitar ou negar a ninguém o acesso à saúde sexual e reprodutiva, inclusive por meio de leis que criminalizem serviços e informações de saúde sexual e reprodutiva

"Negar o aborto a mulheres e meninas grávidas resultantes de estupro e incesto corre o risco de exacerbar seu trauma, bem como seu sofrimento físico e mental, sujeitando-as, assim, a formas adicionais de violência psicológica que também podem constituir tortura ou sofrimento cruel ou desumano", alertam.

"As leis que negam o acesso ao aborto para mulheres vítimas de estupro são uma violação do direito delas de não serem submetidas a tortura ou maus-tratos", denunciam.

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"Como consequência de suas obrigações internacionais de proibir a tortura, os estados têm a obrigação afirmativa de reformar as leis restritivas sobre o aborto que perpetuam a tortura e os maus-tratos ao negar às mulheres o acesso ao aborto seguro e à assistência", completam.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

1 comentário

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Helio Hissao Shinsato

Os adoraDORES da seita neo-n. acham que são seres sup. e devem transmitir os g e n e s deles o máximo possível. Como criar filhos é caro, vários dedicam-se ao ‘ato’ sem assumir responsabilidade posterior. Com essa lei que ameaça as vítimas dos estupr... com longas penas, elas ficariam com os filhos desses ‘cidadãos de bem’. Aumentaria ainda mais o absurdo número de famílias chefiadas por mulheres que param de estudar e penam para sustentar a criança que não queriam. Com essa lei, os neo-n. seriam incentivados a ‘atuar’ ainda mais, e teriam certeza de serem ‘premiados’ pelas suas ‘ações’.

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