Jamil Chade

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Reportagem

Trump rompe consenso global de direito das mulheres; Brasil articula defesa

O governo de Donald Trump anunciou que não irá aderir a uma declaração conjunta na ONU sobre o direito das mulheres, num primeiro ato concreto de distanciamento da nova administração em relação à pauta internacional de defesa da igualdade de gênero. Washington se recusa a aceitar cotas para mulheres, à exigência de salários iguais ou qualquer referência ao termo "gênero".

Uma declaração que será aprovada na próxima semana na Comissão sobre a Situação da Mulher foi articulada justamente para dar uma resposta ao desmonte e ataques contra os direitos das mulheres, liderados pela extrema direita. Os EUA não fazem parte da Comissão neste ano. Mas, mesmo assim, tentou minar o processo e, agora, afirmou que não irá aderir.

Negociadores confirmaram ao UOL que a base do trabalho nas últimas semanas foi a ideia de lutar pela preservação de direitos que muitos acreditavam que estavam consolidados. Mas que passaram a ser alvo de ataques. O Brasil, nos bastidores, atuou para garantir a aprovação do texto.

Em entrevista ao UOL, a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, que está em Nova York para reuniões na ONU, confirmou que a meta do Brasil era a de impedir a retirada de direitos e reforçar que, 30 anos depois da Conferência de Pequim, a agenda feminista não poderia ser desmontada.

"Nossa mensagem é a de não aceitar nenhum retrocesso. Estávamos preocupados com uma possível alteração da declaração. Mas tivemos grandes negociadoras", afirmou a chefe da pasta.

Outra prioridade do Brasil foi a de defender o conceito de que a defesa da democracia está vinculado com a expansão dos direitos das mulheres. "Para que os direitos das mulheres possam existir, a democracia é fundamental", disse a ministra.

A articulação não se limita à declaração. O governo brasileiro foi convidado para integrar uma aliança feminista internacional que começa a ser articulada para garantir que os direitos conquistados por mulheres não sejam desmontados. A coalizão é liderada por Espanha, França e Chile e tem como objetivo trazer ainda uma dimensão feminista para a formulação de política externa e de políticas de desenvolvimento.

O convite ao Brasil foi feito nesta semana à ministra das Mulheres. "Não está fácil para nenhum país resistir à extrema direita", explicou.

Desde a posse de Donald Trump, em janeiro, o governo dos EUA vem atacando entidades e políticas que determinam o acesso à saúde reprodutiva e sexual, além de cortar milhões de dólares em recursos para programas da ONU que apoiam mulheres e meninas.

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Afrodescendentes

Apesar do apoio do Brasil à declaração final da ONU, um dos temas que foi alvo de debates entre a sociedade civil nacional e o governo de Luiz Inácio Lula da Silva foi a referência às mulheres afrodescendentes.

Entidades, como a Geledés Instituto da Mulher Negra, alegam que o texto que será aprovado "não é suficiente" e que esse segmento da população apenas aparece vinculado à vulnerabilidade. A meta do movimento negro é de que essa população seja incluída no debate da cidadania e que mulheres afrobrasileiras façam parte de todo o processo de desenvolvimento.

Para a Geledés, é "inconcebível" que as mulheres negras continuem ocupando apenas esse lugar na declaração. O objetivo é uma inclusão que ressalte o protagonismo das mulheres negras.

"O Brasil aceita esse ponto", disse a ministra. "Mas a declaração foi o que nos foi possível negociar com outros países", explicou.

Uma opção do governo era a de fazer uma declaração final, indicando o descontentamento com esse trecho do documento final. Mas o risco é de que isso poderia esvaziar o esforço de criar trincheiras contra a extrema direita. A escolha foi por fazer uma declaração no Brasil mesmo, indicando o posicionamento do governo.

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EUA apresenta sua visão: sem cotas, sem salários iguais

Do lado da Casa Branca, o posicionamento foi considerado como revelador por parte dos demais países. O governo americano afirmou que é contra e que não estava de acordo com a direção tomada pelos demais governos. Numa explicação de sua posição, a Casa Branca indicou que o conteúdo seria "impossível" de ser apoiado.

Eis os principais pontos de ataque do governo Trump:

Linguagem sobre mulheres e meninas

"É política dos Estados Unidos usar uma linguagem clara e precisa que reconheça que as mulheres são biologicamente femininas e os homens são biologicamente masculinos", disse a declaração do governo Trump.?" É importante reconhecer a realidade biológica do sexo para apoiar as necessidades e perspectivas de mulheres e meninas.? Ficamos desapontados com o fato de a Declaração Política não ter enfocado as necessidades e perspectivas das mulheres e meninas por meio de uma terminologia precisa", disse.

Os EUA ainda alertam que, mesmo aprovada, a declaração não altera o estado atual do direito internacional, nem implica que os estados devam aderir ou implementar novas obrigações.

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Liberdade de opinião e expressão

A Casa Branca ainda atacou o fato de a declaração fazer uma referência explícita ao combate à desinformação.

"Observamos que, nos últimos anos, os governos censuraram o discurso em plataformas on-line, muitas vezes exercendo uma pressão coercitiva substancial sobre terceiros, como empresas de mídia social, para moderar, desplantar ou suprimir o discurso", disse o governo americano.?

" Sob o pretexto de combater a "desinformação", a "desinformação" e a "malinformação", os governos infringiram os direitos de expressão constitucionalmente protegidos dos americanos.? A censura governamental da fala é intolerável em uma sociedade livre", justificam os americanos.

Direito ao desenvolvimento

O governo Trump ainda lamentou que a declaração "inclua linguagem sobre o suposto "direito ao desenvolvimento", pois esse termo não tem um significado internacionalmente aceito.? Não podemos aceitar referências a isso como um "direito".

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A Agenda 2030

Outra preocupação dos EUA se refere à reafirmação da Agenda 2030 e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs).? "Embora enquadrados em linguagem neutra, a Agenda 2030 e os ODSs promovem um programa de governança global branda que é inconsistente com a soberania dos EUA e adverso aos direitos e interesses dos americanos", afirma a Casa Branca.

"Na última eleição dos EUA, o mandato do povo americano foi claro: o governo dos Estados Unidos deve voltar a se concentrar nos interesses dos americanos.? Devemos nos preocupar, em primeiro lugar, com os nossos próprios interesses - esse é o nosso dever moral e cívico.? O presidente Trump também estabeleceu uma correção de curso clara e esperada sobre a ideologia de "gênero" e climática, que permeia os ODSs", atacou.

"Simplificando, os esforços globalistas como a Agenda 2030 e os ODS perderam nas urnas.? Portanto, os Estados Unidos rejeitam e denunciam a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e os ODSs, e não os reafirmaremos mais como algo natural", disse.

Salário igual

O governo dos EUA ainda atacaram a ideia da declaração da ONU que defende "salário igual para trabalho de igual valor" para promover a igualdade salarial entre homens e mulheres. ?"Os Estados Unidos trabalham para alcançar a igualdade salarial observando o princípio de "salário igual para trabalho igual", justificam os americanos.

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Cotas

O governo americano também é contra cotas destinadas a alcançar a paridade para mulheres e meninas. "Os Estados Unidos se opõem ao uso de cotas, metas ou objetivos de participação com base no sexo.? A política dos Estados Unidos é proteger os direitos civis de todos os americanos e promover a iniciativa individual, a excelência e o trabalho árduo", argumentam.?

Mudança climática

Os Estados Unidos não apoiam a inclusão de referências à mudança climática a declaração.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

1 comentário

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Leandro Schmaedeke

O trampa e seus ideologicamente incorretos vão ter o que merecem.

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