13 mil meninas estupradas foram mães em 2023 no Brasil; ONU fala em tortura
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Entidades da sociedade civil pedirão na ONU um compromisso do governo brasileiro para garantir que mulheres e meninas tenham maior acesso aos serviços de aborto legal, apontando que 13 mil garotas vítimas de estupros se tornaram mães apenas em 2023.
A iniciativa é liderada pelas entidades Conectas, Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, Campanha Nem Presa Nem Morta, Sexuality Policy Watch, Católicas pelo Direito de Decidir, Ipas, Criola, Anis, Center for Reproductive Rights e Cladem Brasil.
"Gostaríamos de chamar a atenção do Conselho de Direitos Humanos para as alarmantes dificuldades de acesso de meninas ao serviço de aborto legal no Brasil", afirmarão as organizações em uma reunião do Conselho de Direitos Humanos da ONU, nesta segunda-feira.
As entidades vão destacar que, em 2023, mais de 13 mil meninas vítimas de estupro se tornaram mães, apesar de terem direito legal ao aborto. "A maioria das vítimas de estupro são meninas negras", alertam.
De acordo com o grupo, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente aprovou em 2024 a Resolução 2583, sobre crianças e adolescentes vítimas de violência sexual, que garante o seu direito ao aborto legal.
"Ela reconhece a capacidade de crianças e adolescentes de receber informações, ter preservada sua privacidade e participar das decisões sobre sua saúde reprodutiva, de acordo com seus interesses e com o princípio da autonomia progressiva, como previsto na CRC", disse.
"A Resolução protege meninas dos riscos que uma gravidez forçada pode causar à sua saúde física, mental e social, sendo também uma medida efetiva de combate à desigualdade e ao racismo, preservando seu projeto de vida e possibilidades de desenvolvimento", afirmarão.
"Como meio de cumprir recomendações de órgãos de tratados da ONU, solicitamos ao Conselho que urja ao Brasil que implemente a Resolução 258, amplie os serviços de aborto legal e elimine as barreiras enfrentadas por vítimas de estupro", afirma.
Relatores da ONU alertam Brasil sobre PL que restringe ainda mais o acesso
Uma carta enviada ainda por relatoras da ONU e órgãos do sistema internacional ao Brasil alerta que o Projeto de Lei 1904 sobre o aborto viola os padrões internacionais e iria no sentido contrário aos compromissos assumidos pelo Brasil nas esferas estrangeiras no que se refere aos direitos das mulheres. Além disso, a proposta poderia ser equivalente à prática de tortura contra mulheres e meninas.
No ano passado, a Câmara dos Deputados aprovou o regime de urgência para o PL liderado pelo deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) e outros 32 parlamentares. O texto equipara o aborto de gestação acima de 22 semanas ao homicídio. O autor do requerimento de urgência foi o coordenador da Frente Parlamentar Evangélica, deputado Eli Borges (PL-TO).
O documento enviado pelos órgãos da ONU ao governo no dia 11 de março, porém, alerta sobre a ilegalidade internacional que o Brasil estaria cometendo se aprovar o PL.
Se promulgado, o PL alteraria o artigo 128 do Código Penal para criminalizar a interrupção da gravidez com mais de 22 semanas de gestação, independentemente das circunstâncias atualmente autorizadas por lei, como estupro ou ameaça à vida da mulher.
"As penalidades propostas são equivalentes às do crime de homicídio simples, com pena de reclusão de seis a vinte anos", diz.
Atualmente, a interrupção da gravidez só é legalmente permitida em três circunstâncias: em casos de estupro, quando a vida da mulher ou da menina está em risco, ou quando o feto sofre de anencefalia. Nesses casos, não há limite gestacional para a interrupção da gravidez.
A carta, assinada pelas relatoras Laura Nyirinkindi (presidente do Grupo de Trabalho sobre Discriminação contra Mulher), Alexandra Xanthaki (relatora para direitos culturais), Morris Tidball-Binz (relator sobre execuções sumárias) e K.P. Ashwini (relator sobre discriminação).
"Expressamos nossa grave preocupação com o fato de que o Projeto de Lei 1904/2024 e a Proposta de Emenda Constitucional 164/2012, se aprovados, poderão violar ainda mais os padrões internacionalmente acordados relacionados à dignidade e aos direitos das mulheres e meninas", disseram.
"A criminalização contínua e ampliada do aborto, inclusive conforme proposto para gestações com mais de 22 semanas, afetaria ainda mais vários direitos de mulheres e meninas, colocando suas vidas e saúde em risco", alertaram.
A carta destaca como o Comitê contra a Tortura da ONU observou que a criminalização contínua do aborto faz com que muitas mulheres e meninas recorram a abortos clandestinos e inseguros que colocam suas vidas e saúde em risco.
"O Comitê recomendou que o Brasil revisse seu Código Penal para descriminalizar a interrupção voluntária da gravidez, garantir que todas as mulheres e meninas, inclusive aquelas pertencentes a grupos desfavorecidos, tenham acesso à interrupção voluntária legal da gravidez em condições seguras e dignas, sem assédio ou esforços para criminalizá-las ou a seus prestadores de serviços médicos, e garantir assistência médica às mulheres após a realização de um aborto, independentemente de terem feito isso legal ou ilegalmente", diz.
"Consideramos que as propostas legais, se adotadas, podem minas os direitos das mulheres e meninas ao mais alto padrão de saúde física e mental", dizem as relatoras.
"Ressaltamos que a negação do acesso a serviços de aborto seguro pode causar dor e sofrimento tremendos e ter consequências duradouras para o bem-estar físico e mental", afirmam.
O Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais esclareceu que os estados têm a obrigação de "respeitar, proteger e cumprir o direito de todos à saúde sexual e reprodutiva", o que inclui "não limitar ou negar a ninguém o acesso à saúde sexual e reprodutiva, inclusive por meio de leis que criminalizem serviços e informações de saúde sexual e reprodutiva
"Negar o aborto a mulheres e meninas grávidas resultantes de estupro e incesto corre o risco de exacerbar seu trauma, bem como seu sofrimento físico e mental, sujeitando-as, assim, a formas adicionais de violência psicológica que também podem constituir tortura ou sofrimento cruel ou desumano", alertam.
"As leis que negam o acesso ao aborto para mulheres vítimas de estupro são uma violação do direito delas de não serem submetidas a tortura ou maus-tratos", denunciam.
"Como consequência de suas obrigações internacionais de proibir a tortura, os estados têm a obrigação afirmativa de reformar as leis restritivas sobre o aborto que perpetuam a tortura e os maus-tratos ao negar às mulheres o acesso ao aborto seguro e à assistência", completam.
14 comentários
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Horácio Monteschio
Só resta lamentar !!! A omissão das instituições é por demais evidente !!
Fabio Benitez Correa
Mais triste é ver a notícia dessa tragédia criminoso logo acima da notícia que uma super reaça está na prefeitura de São Paulo. Cidade que está dificultando descaradamente o aborto legal. Coitadas dessas meninas.
Silvia Regina do Amaral Vignola
Quantos estupradores foram presos?