Raul Juste Lores

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Opinião

O escândalo de desperdício do INSS que não escandaliza ninguém

O INSS tem 3.213 imóveis com pouco ou nenhum uso no Brasil. Não são cem prédios nem 500. São mais de 3.000.

Em 2013, governo Dilma, eram 3.396. Em 2019, governo Bolsonaro, 3.290. Não importa quem seja o governante, direitista ou esquerdista. Esse patrimônio imobiliário não gera renda para a Previdência nem tem "função social da propriedade". O paulistano conhece exemplos disso de perto. A famosa "Ocupação Nove de Julho" fica em um desses prédios. O realmente icônico prédio de vidro que desmoronou em chamas no largo do Paissandú em 2018, idem.

O agora famoso casarão da família Prudente de Moraes, em Higienópolis, que ficou conhecido como a prisão do juiz Lalau, é dos poucos que foi leiloado pelo órgão, no governo Bolsonaro. Só agora a vizinhança se lembrou dele, porque vai ganhar alguma torre sem arquitetura. Já os prédios tombados que pertencem ao INSS na Vila Maria Zélia, no Belenzinho, estão por um triz de desabar. Há dez anos, a prefeitura briga na Justiça para o INSS restaurá-los, e o instituto alega não ter recursos...

Priorizar maior renda

Em março de 2023, o presidente Lula afirmou que imóveis federais sem uso seriam convertidos em moradia, dentro do programa Minha Casa, Minha Vida. Mas a promessa anda com velocidade de expansão do saneamento básico no Pará. O que, sim, parece ter urgência é a transformação do Minha Casa, Minha Vida para empreiteiras que querem atender públicos bem mais ricos que a população mais carente.

Já a partir de maio, os bancos começarão a financiar a nova faixa 4 do Minha Casa, Minha Vida, para famílias com renda de R$ 8.000 a R$ 12 mil. Beneficiando mais a classe média, sabendo-se que a faixa 1, de famílias que ganham até R$ 2.850, tem encolhido.

Construir do zero, longe de empregos e transporte público, em vez de reaproveitar prédios do governo já prontos e centrais, tem sido a tônica do programa habitacional do governo desde 2009. Você não vai ver TikTok de urbanistas militantes canastrões, com aquele tom choroso nada convincente, reclamando disso. Por um carguinho ou para se manter no poder, calam-se. Só rendem e esbravejam quando estão na oposição. No poder, não têm desenvoltura alguma.

Prédio do INSS em Belo Horizonte
Prédio do INSS em Belo Horizonte Imagem: Raul Juste Lores/UOL

Por décadas, o INSS foi herdando imóveis de empresas em falência, como pagamentos de dívidas. Esse portfólio é otimizado com o mesmo talento dos imóveis que pertencem à Santa Casa, ou seja, quase nada. Viram peso morto. Na maioria das cidades, no máximo, prefeitos pedem para adquirir os imóveis para virarem "centros culturais", futuramente sem acervo ou programação. Moradia jamais é prioridade neste país tão favelizado.

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Em Belo Horizonte, onde estive recentemente, são vários prédios enormes subutilizados no centro, que pertencem ao INSS. Não se entende um programa de reocupação de centros históricos sem contar com o empenho do INSS.

O prédio do Grande Hotel, em Goiânia
O prédio do Grande Hotel, em Goiânia Imagem: Raul Juste Lores/UOL

Em Goiânia, o Grande Hotel, um dos três prédios mais antigos da cidade, está vazio, em parca preservação, e pertence ao INSS. Há anos, a prefeitura local negocia para que o imóvel seja transferido para a Secretaria de Cultura. Ironicamente, há uma disputa sobre os valores do imóvel. Sim, a turma que diz que "a Petrobras não precisa dar lucro, nem explicação para os acionistas minoritários" e que cobra "menos ganância do privado", quando tem a caneta, quer cobrar preços exorbitantes de imóveis que estão se esfarelando. Não poucas vezes, o restauro e a adaptação vão custar mais do que o valor do imóvel total.

O prédio do Paissandú

Já que o INSS é um mau administrador de imóveis e, teoricamente, não quer passar esses prédios para a "especulação", por que o governo Lula ainda não pensou em fazer um leilão destinado à moradia social e ao retrofit nesses imóveis? Com a participação da Caixa Econômica Federal. Em vez de conjuntos habitacionais no meio do nada, para favorecer as empreiteiras amigas de sempre, priorizar esses imóveis já prontos, bem localizados e sem a taxa de lucro de uma grande incorporadora. Que fossem de faixa 1 ou faixa 2, os patinhos feios do atual governo.

Para isso, a hipocrisia e demagogia de muitos precisarão ser revistas. No ano passado, assisti a um documentário decepcionante sobre o prédio que desabou no largo do Paissandú em 1º de maio de 2018. Por incompetência das gestões Bruno Covas e Ricardo Nunes, o buraco onde o edifício ficava continua lá, e nenhuma moradia subsidiada foi construída em quase sete anos. Mas, até se desmanchar no descaso, era prédio federal do INSS. De 2003 a 2018, abandonado, ocupado, desocupado, sem uso de novo.

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Em 2018, prédio ocupado desabou no largo do Paissandú, centro de São Paulo, após incêndio
Em 2018, prédio ocupado desabou no largo do Paissandú, centro de São Paulo, após incêndio Imagem: Aloisio Mauricio/Estadão Conteúdo

O filme, que até aparenta se preocupar com os sem-teto, em nenhum momento se pergunta o porquê da morosidade, da burocracia ou da falta de vontade de convertê-lo em moradia nos quase 14 anos de governos Lula e Dilma e nos dois anos de Temer.

Poderia ser um grande veículo de reflexão e cobrança. Mostrar os obstáculos, as leis equivocadas, o que pega para que nada ande. Mas passa longe disso.

Feito por e para gringos, arranja um jeito de botar Jair Bolsonaro como um vilão na história (em maio de 2018, ele nunca tinha ocupado um cargo no Executivo), dá indiretas a Covas, Temer e Doria, mas poupa os que ficaram mais tempo no poder com o prédio vazio. As responsabilidades de Lula e Dilma estão ausentes no documentário.

Se o prédio estivesse em pé entre 2019 e 2022, dificilmente Bolsonaro ou Paulo Guedes teriam qualquer interesse nele. Mas cobrar governantes precisa obedecer uma cronologia correta. Quem é que estava no poder?

Como produzir moradia não emociona muitos artistas na prática, só na teoria, parte do filme se dedica a falar do sonho de arquitetos franceses de transformá-lo em centro cultural junto com o Sesc. Com dinheiro público, claro.

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O filme também esquece que Dilma mandou leiloar o Wilton Paes de Almeida em 2015, pelo valor de R$ 23 milhões à época. Em valores de hoje, R$ 50 milhões. Como a reforma obviamente custaria mais que isso, não apareceu nenhum interessado. Por que o governo Dilma não quis reformar o prédio e transformá-lo em moradia para a ocupação que estava lá? A diretora do filme não teve a ousadia de fazer essa pergunta.

Escândalos de desvios e má gestão do INSS se repetem, mas até causam certo barulho. Prédios do governo que não precisam de desapropriação e são bem localizados, mas que agonizam vazios, não escandalizam ninguém.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

13 comentários

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Rossini de Santiago Silva

Tudo verdade. Infelizmente, a esquerda, eu incluso, nos acostumamos a ser oposição, indignados com temers e bozos, sendo açoitados para reclamar nas redes, berrar, "não vai ter golpe", aquela retórica toda, denunciar o absurdo, mas quando governo, com uma tendência abjeta de achar que "agora vai", "salvamos o Brasil". Esse costume, infelizmente, imobiliza quem é esquerda fora do governo, e adormece a esquerda membro do governo. " A gente espantou o bozo, tá tudo resolvido", dizem, e não os cobram com a devida veemência, para não "fragilizar" o governo, renascer a direita. Mal sabem os ditos esquerda e "progressistas", que gostam de dizer que são de esquerda, que a falta de entregas reais para a população é que vem possibilitando a narrativa e crescimento da direita. Nesse exemplo do Raul, as redes sociais potencializam esse berrar por falta de moradia, mas o nada agir na situação concreta, com os imóveis na mão. É deprimente, muita incompetência

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Arlindo de Oliveira Filho

sem dúvida! ninguém se espanta mais com essa rotina do PT de passar a mão no que não lhe pertence! não é novidade!

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Jansen José Crisóstomo Escarmelote da Silveira

Mas o lules sabia de tudo....

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