Jamil Chade

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Reportagem

Base mais radical do governo Trump defende acolher foragidos do 8/1 nos EUA

Alas políticas que formam a base mais radical do governo de Donald Trump defendem que brasileiros que estejam sendo alvo de processos judiciais vinculados aos ataques do 8 de Janeiro sejam aceitos em território americano. O tema, segundo o UOL apurou, está em debate nos círculos mais próximos da Casa Branca e seus principais apoiadores querem aproveitar leis adotadas pelo governo Trump na defesa da liberdade de expressão para justificar a ação de apoio aos brasileiros.

Não há, pelo menos por enquanto, qualquer definição por parte da cúpula de Trump de que irá acatar o posicionamento da base. Procurado, o Departamento de Estado norte-americano não se pronunciou.

Ontem, o UOL revelou como quatro brasileiras implicadas nos ataques contra os Três Poderes, em Brasília, em 2023, tentaram entrar ilegalmente nos EUA e foram detidas. Uma delas cruzou a fronteira no começo de janeiro. As outras três entraram um dia depois da posse de Trump, esperando que fossem aceitas para um programa de asilo político.

Porém, elas foram presas e transferidas para detenções no estado do Texas, aguardando deportação. O ICE, a polícia de imigração norte-americana atuando sob as ordens do governo Trump, não hesitou em detê-las.

Aliados norte-americanos de políticos bolsonaristas insistem, porém, sobre a necessidade de que a base de Trump conceda outro tratamento a essas pessoas.

A tentativa é a de mostrar à cúpula do trumpismo que essas pessoas deveriam receber o mesmo tratamento dado aos invasores do Capitólio, em 6 de janeiro de 2021. O novo presidente não apenas perdoou os autores dos ataques, como os considerou "heróis". No Brasil, os presos do 8/1 passaram a ser chamados de "reféns" pela extrema direita — mesmo termo usado por Trump para se referir aos invasores do Capitólio.

Fontes do governo norte-americano, em Washington, confirmam que o lobby por esses brasileiros de fato existe. Steve Bannon, ex-estrategista de Trump, chegou a elogiar os ataques de 8 de janeiro de 2023 contra as instituições brasileiras.

Um dos argumentos que esses articuladores usam se refere à prioridade que Trump colocou na suposta defesa da liberdade de expressão, uma manipulação do conceito. Um de seus primeiros atos na Casa Branca foi adotar uma ordem executiva que proíbe as agências norte-americanas de manter qualquer contrato com empresas que fazem verificação de fatos ou que afirmam combater desinformação.

Mas o governo quer ir além e colocou a defesa da suposta liberdade de expressão também como um dos pilares da nova política externa. Neste contexto, o STF e o ministro Alexandre de Moraes poderiam ser vistos como "adversários", numa narrativa construída para tentar deslegitimar os esforços para conter a desinformação.

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Na tese da extrema-direita, isso abriria a possibilidade para considerar como "arbitrários" os atos de Moraes, inclusive contra as pessoas envolvidas no 8 de Janeiro.

Manipulado, o argumento é de que essas pessoas seriam "vítimas", e não agressores.

Ainda em fevereiro, uma ofensiva nas redes sociais por parte de aliados de Trump serviu como uma espécie de ensaio para eventual ataque político maior. Elon Musk e congressistas da base mais radical do governo Trump reforçaram ataques contra o governo Lula (PT) e repetiram a narrativa de que existiria uma suposta censura sendo aplicada no Brasil.

Musk, na ocasião, republicou em suas redes sociais uma postagem que indicava que "brasileiros" protestariam pelo "impeachment de Lula". O bilionário apenas escreveu "Wow". O senador republicano Mike Lee também foi às redes para insuflar a ideia promovida por bolsonaristas de que dinheiro público norte-americano teria sido usado nas eleições em 2022, no Brasil, para supostamente favorecer os adversários de Jair Bolsonaro (PL). Não há qualquer evidência comprovada nesse sentido.

Em 12 de fevereiro, foi o próprio Musk quem levantou a possibilidade de uma "investigação sobre lawfare" quando foi provocado pelo mesmo senador norte-americano sobre uma suposta "interferência de juízes" na eleição. Era uma alusão ao Brasil e ao conceito de usar a Justiça como instrumento de perseguição política (lawfare).

Durante suas viagens pelos EUA, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) se reuniu com deputados da base de Trump, como os republicanos Chris Smith, Rich McCormick, Jim Jordan e Maria Salazar, assim como com o senador Rick Scott.

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Casa Branca prometeu asilo a sul-africanos "injustiçados"

A esperança do movimento de lobistas em prol dos foragidos do 8/1 é de que o novo governo já sinalizou que existe espaço para abrir exceções na sua luta contra a imigração, a maior bandeira eleitoral de Trump.

Enquanto fechou fronteiras e expulsou milhares de pessoas, a Casa Branca anunciou que irá dar asilo e cidadania para sul-africanos brancos que considerem que estão sendo discriminados pelo governo do presidente Cyril Ramaphosa.

Desde a vitória de Trump, um dos temores do Palácio do Planalto é de que o novo governo norte-americano seja um "fator de instabilidade" na América Latina, insuflando movimentos de extrema- direita pela região.

Um sinal de que isso poderia desembarcar no Brasil foi dado pelo Departamento de Estado norte-americano que, no mês passado, foi às redes sociais para criticar uma suposta censura no Brasil e alertar que isso poderia ter consequências para o país em sua relação bilateral. Era um recado contra as decisões do STF de fechar o cerco contra a desinformação promovida pelas plataformas digitais.

Horas depois, o governo brasileiro rebateu e rejeitou qualquer ilegalidade na ação das instituições na defesa da democracia.

Para o Palácio do Planalto, o lobby pelos brasileiros envolvidos no 8 de Janeiro revela ainda a incoerência do governo Trump na luta contra a suposta censura. De um lado, o governo norte-americano considera avaliar a situação dos brasileiros como supostas vítimas da Justiça. Mas, ao mesmo tempo, prende e deporta pessoas envolvidas em protestos nos EUA por se pronunciarem pela causa palestina.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

26 comentários

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Reginaldo Alberto do Nascimento

Os Estados Unidos deveriam acolher todos esses pseudo patriotas e golpistas, e ficar com essas pérolas pela eternidade ...

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Mário Mendonça

Então quer dizer que ilegal de direita pode! 

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Daniel Rodrigues dos Santos

Liberdade de expressão das ideias deles. Se expressar o contrário, será preso, deportado ou sofrerá sanções políticas e financeiras.

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