Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Déficit cognitivo, maldade e ressentimento: a síntese do ódio bolsonarista
A violência e o ódio têm sido a marca registrada do Bolsonarismo. Isso já sabemos. O método da distorção, inversão de valores e intimidação é o modo de atingir todos aqueles que discordam do discurso fascista. Dias atrás o escritor Julian Fuks recebeu ameaças após a publicação do texto "Precisa-se de um terrorista, capaz de um ato sutil que transforme a história". Este tipo de ameaça tem se tornado cada vez mais comum no Brasil. E o mais grave é que os ataques têm se intensificado a medida em que o processo eleitoral avança.
Eu mesmo, meses atrás, fui vítima dessas ameaças bolsonaristas, após uma palestra minha em uma escola particular em Salvador, sobre meu livro "O avesso da pele". Na época, lembro que entrei nesse dilema entre silenciar e ignorar as mensagens ou torná-las públicas e denunciá-las. Optei pela segunda, assim como fez Julián. Expor esses grupos que optam pelo ódio e pela intimidação é uma maneira dizer que não aceitamos conviver com o fascismo. Mais do que isso, é preciso que se investigue até o fim de onde partiram as ameaças, e que os agressores sejam punidos conforme a lei.
Penso que toda essa prática violenta está para além de uma ideologia. Os agressores bolsonaristas tem três características básicas: O déficit cognitivo, a maldade e o ressentimento. Eis a síntese do ódio. A ideologia violenta é gestada dentro do ressentimento. Pois o ressentimento é um motor poderoso para grandes tragédias. O ressentimento é a dor da humilhação que não passa. É a aceitação e reconhecimento da própria incapacidade, mas é uma aceitação enviesada.
O ressentido é aquele que acha que o mundo foi injusto com ele. O ressentido acha que é um predestinado. O ressentido tem certeza de que sua ineficiência tem a ver com o sucesso do outro. O ressentido não goza. O ressentido não conhece o prazer. O ressentido tem vergonha do próprio prazer e, por não saber o que fazer com a frustação, o ressentido ao invés de se voltar para si e enfrentar o próprio fracasso, faz o caminho inverso. O ressentido não podendo gozar, impede o outro de gozar. Impõe uma série de leis, regras, cláusulas.
O ressentido é o burocrata. É o tributário. O ressentido é o fazedor regras. O ressentido gasta muito tempo da vida pensando em como dificultar o prazer e a felicidade do outro. O ressentido é o cara do guichê que te olha indiferente e tem a satisfação de dizer que faltou um documento. O ressentido é o que passa um contrato de 200 páginas a limpo. O ressentido é um exército. Há mais ressentidos no mundo que pessoas felizes e interessadas na própria vida. E por serem a maioria, os ressentidos, embora fracos eticamente e moralmente, ganham força e voz quando se unem. Os ressentidos se reconhecem com facilidade. Os ressentidos se agrupam porque gostam de partilhar o ódio por aqueles que gozam de uma vida boa. Os ressentidos se unem por um único motivo: impedir a vida plena do outro.
Ser livre na sexualidade, na arte, na vida, no modo de existir é uma afronta para o ressentido. Uma sociedade diversa é o pesadelo dos ressentidos. O ressentido é um poço submerso pelo recalque. É alguém que não sabe negociar com seu desejo. O desejo para o ressentido é mal a ser vencido. O desejo é um demônio. O desejo é face do mal. Ceder ao desejo é a destruição do cidadão de bem. Assim pensam os ressentidos. É preciso ter pena dos ressentidos. Mas eles não querem "penas". Os ressentidos querem a aniquilação do prazer do outro.
Aos ressentidos bolsonaristas podemos acrescentar ainda o déficit cognitivo que os impede inclusive de ler um texto irônico. O ressentido bolsonarista é literal. O ressentido bolsonarista decifra o código linguístico, mas não a mensagem. Para o ressentido toda a metáfora é uma ameaça. O que sai do plano concreto e cai na subjetividade é motivo para uma reação violenta. O ressentido político é um analfabeto afetivo e cognitivo. Os ressentidos não amam. Os ressentidos têm comparsas no coração.
Todo meu apoio a Julián Fuks nesse momento difícil. Precisamos estar atentos. Tempos ainda mais difíceis estão por vir. A luta pelo direito da liberdade de expressão deve continuar. Precisamos ainda lembrar que em tempos obscuros, de distorções, ressentimentos e ódio, a arte é sempre maior.
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