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Jeferson Tenório

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

ACM Neto, o branco mais pardo do Brasil

Montagem de fotos de ACM Neto em 2020 e na campanha ao governo da Bahia em 2022 - Valter Pontes/Secom e Reprodução/TV Globo
Montagem de fotos de ACM Neto em 2020 e na campanha ao governo da Bahia em 2022 Imagem: Valter Pontes/Secom e Reprodução/TV Globo

Jeferson Tenório

Colunista do UOL

26/09/2022 04h00Atualizada em 26/09/2022 14h47

Eu não deveria, mas eu ainda fico realmente muito impressionado com a coragem do homem branco, principalmente se ele for de classe média. É uma coragem que não tem limites. E não tem limites porque a sociedade racista brasileira concedeu esta certeza ou esta condição de que ele pode tudo. Numa conferência sobre racismo estrutural, por exemplo, o homem branco é sempre aquele que pede a palavra primeiro a fala que os negros também são preconceituosos. É aquele que numa discussão sobre feminismo levanta a mão e "corrige" uma mulher depois de uma fala e repete tudo que ela disse.

O homem branco não tem medo de escrever sobre pautas que ele nunca estudou. O homem branco não tem medo de ser questionado. O homem branco pode tudo, inclusive mudar de cor. Quem não lembra daqueles versos do poetinha, no "Samba da Bênção"? "Vinicius de Moraes / Poeta e diplomata / O branco mais preto do Brasil". Pois há homens brancos que levam este verso bastante a sério, principalmente quando for para tirar vantagens de diretos concedidos à população negra. Nessa toada. Hoje, o homem branco pode, se quiser, empretecer-se, tornar-se negro numa clínica de bronzeamento artificial. Ninguém vai perceber. Garanto. Pois, a certeza da ignorância alheia é muito comum para o homem branco. A sua autoestima é inabalável. O homem branco é imbroxável.

A autodeclaração no Brasil ajudou e continua ajudando pessoas negras a não só assumirem sua negritude, mas também garantir acesso às políticas públicas tanto na própria política partidária, como na entrada pelo sistema de cotas em concursos e universidades federais. A autodeclaração é uma conquista dos movimentos e coletivos negros e que também passa pela autoestima e pelas questões identitárias.

Em "Pele Negra, Máscaras Brancas", o teórico e médico negro Fratz Fanon fala, entre outras coisas, sobre a luta de homens e mulheres negras para serem reconhecidos como humanos. Justamente porque a régua que define quem pertence ou não à humanidade, sempre foi branca. Ou seja, toda a composição social que definia os negros inferiores e submissos se estruturou a partir do modelo de identidade branca.

No entanto, quando temos uma inversão nessa estrutura, quando assumir-se negro se torna algo positivo e um reconhecimento de humanidade, quando assumir uma negritude significa também ganho de benefícios oriundos de uma reparação histórica, a branquitude sempre encontra um modo de tirar proveito disso. A exploração do corpo negro é contínua e sistemática. No Brasil, pessoas brancas não querem ser negras porque sabem muito bem como os negros são tratados, a não ser que isso sirva para arrecadar votos, por exemplo.

Em 2016, ACM Neto, que é candidato a governador da Bahia este ano, se autodeclarou pardo. Nesta eleição, ACM manteve a classificação no registro de sua candidatura, o que causa bastante estranheza. Em entrevista à TV Bahia, o candidato disse que era "pardo, mas não negro". É uma declaração cínica e calculada, porque o discurso do colorismo no Brasil foi e é bastante distorcido, como se criar categorias de pigmentação da pele, de mais ou menos melanina, de mais ou menos preto fosse o cerne da questão. Não é. Pois enquanto homens brancos tentam de algum modo tirar proveito da autodeclaração, seja na política ou para burlar o sistema de cotas raciais na universidade, homens negros, pardos ou retintos continuam morrendo em ações violentas da polícia, por exemplo.

Se autodeclarar pardo, está para além de escavar parentes negros no sangue da família. Ser pardo tem a ver como estas pessoas são tratadas pela estrutura social. A polícia e a elite racista sempre sabem quem é e quem não é negro nesse país. Ao se autodeclarar pardo, ACM Neto só esqueceu que a Bahia é o estado mais negro do Brasil. Quis colar sua cor a cor majoritária da população. Não deu certo. Porque, ao contrário do que muitos políticos pensam, a população não está alienada a essas questões.

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do informado, esta não é a primeira eleição em que ACM Neto se declara pardo. Ele fez o mesmo em 2016. O texto foi corrigido.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL