Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Chofer de fascista e guardador de joias: o triste fim de Nelson Piquet
Em 1986, o piloto Ayrton Senna era entrevistado no programa Roda Viva, quando foi perguntado pelo jornalista Marcelo Rezende sobre a sua relação com Nelson Piquet. Senna, um pouco incomodado com a pergunta, responde que "como piloto respeito muito, mas como pessoa tenho minhas restrições". Instigado pelos jornalistas, completa: "Para ser honesto: o Piquet é uma pessoa de grandes qualidades, mas talvez ele tenha problemas de infância, alguns problemas com a imprensa...ele é um cara revoltado, um cara inconstante".
Tal revolta e inconstância têm a ver com episódios como o da famigerada corrida em Hockenheim, na Alemanha, em 1982, quando Nelson Piquet liderava com folga e foi tocado pelo chileno Eliseo Salazar. O acidente tirou os dois pilotos da prova. Assim que parou no acostamento, Piquet saiu do carro e partiu para cima de Salazar com socos e pontapés. Uma cena inusitada para um esporte em que o contato físico é quase inexistente.
Passados alguns anos, com o avanço da extrema direita e o surgimento do bolsonarismo, muita gente saiu da toca para se filiar ao discurso fascista. Nelson Piquet foi um deles. O ex-piloto foi um dos grandes apoiadores da campanha de reeleição de Bolsonaro, não só fazendo declarações como "sou Bolsonaro até a morte", mas também fazendo doações que somaram mais de R$ 500 mil. Antes disso, ainda em 2021, Piquet virou chofer de Bolsonaro no ato antidemocrático de 7 de setembro, dirigindo um Rolls-Royce Silver Wraith de 1952.
Recentemente, Piquet também foi condenado pela Justiça a pagar R$ 5 milhões por fazer comentários racistas e homofóbicos sobre o piloto Lewis Hamilton. A condenação só confirma sua postura fascista e preconceituosa. Piquet ainda tentou argumentar dizendo: "o que eu disse foi mal pensado, e eu não vou me defender por isso, mas eu vou deixar claro que o termo é um daqueles largamente e historicamente usados de forma coloquial no português brasileiro como sinônimo de 'cara' ou 'pessoa' e nunca com intenção de ofender. Eu nunca usaria a palavra que estou sendo acusado em algumas traduções".
O fato é que esconder ou naturalizar o racismo recreativo é uma tática da branquitude brasileira. Uma forma de minimizar o preconceito e assim banalizá-lo com a violência. São táticas muito bem instrumentalizadas pela extrema direita. Justamente porque o racismo está entranhado na sociedade.
Alguns juristas acharam que a condenação foi alta demais. No entanto, cabe lembrar que um valor desses não tem a ver apenas com uma punição financeira, mas também tem um caráter educativo e exemplar, pois é preciso demonstrar que o mundo mudou e que aquela argumentação de que as expressões racistas como "neguinho" têm a ver com a geração de Piquet caiu por terra.
Durante campanha de reeleição de Bolsonaro, Piquet exaltava a honestidade de seu candidato: "Eu sou fã dele por parar com essa roubalheira incrível que tem no país. Hoje, você enxerga isso. A imprensa não fala nada disso. Fiquei fã dele. Eu o conheci, ele me convidou para almoçar e a gente se deu bem. Nunca me envolvi em política na vida, hoje sou Bolsonaro até a morte. Eu acho que ele é a salvação do Brasil".
No entanto, é uma declaração que se mostra contraditória agora, pois descobriu-se que parte das joias sauditas sob posse de Bolsonaro estava guardada na fazenda de Nelson Piquet. Uma situação no mínimo estranha e constrangedora.
O fato é que a biografia de Nelson Piquet parece escorrer pelo ralo ao escolher um caminho tortuoso de apoio ao discurso da extrema direita. Entretanto, essa trajetória talvez não seja uma surpresa, pois a entrevista de Ayrton Senna, em 1986, já apontava para o triste fim de um piloto de Fórmula 1 que se tornou um guardador de joias suspeitas e um chofer da extrema direita brasileira.
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