Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Voos e aeroportos são hostis para pessoas negras
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Eu sempre achei o aeroporto um lugar hostil, impessoal e, às vezes, triste. Essa mistura de rodoviária chique com shopping, pessoas pelas cadeiras dormindo ou entediadas com seus celulares e computadores. Filas nos guichês de embarque com aquelas diferenciações entre clientes ouro, diamante, prime, confort, plus e tantas outras categorias para lembrar que, mesmo entrando no mesmo avião, você pode ser mais especial que os outros.
Sendo uma pessoa negra, já tenho o olhar treinado para perceber rapidamente a falta de homens e mulheres como eu em alguns desses espaços. Essa falta diz alguma coisa importante de onde estou. O aeroporto é um lugar em que há o predomínio de pessoas brancas de classe média. Então eu nunca esqueço que estou adentrando um campo pouco amigável, já que tenho a consciência de que não há muitos da minha cor nem entre os passageiros nem entre os funcionários.
O caso de Samantha Vitena Barbosa, mulher negra que foi expulsa de um voo da Gol, sem explicações, apenas por determinação do comandante, é uma demonstração explicita de uma visão coletiva e racista que de fato acredita que corpos negros não merecem consideração. Mais do que isso, é uma visão para além do ambiente aéreo, mas comprova que esses mesmos corpos são intrusos e que qualquer motivo serve para retirá-los desse espaço.
Sabemos que todos os protocolos de segurança de uma aeronave devem ser seguidos para uma viagem segura. No entanto, o que ocorreu no voo 1575 não é mera arbitrariedade, pois há relatos de que uma outra passageira, branca, acomodou seus pertences de mão como quis mesmo com o pedido da tripulação para que ela não fizesse aquilo. Posso dizer que já assisti a alguns barracos e discussões de passageiros, em sua maioria brancos, que parecem ter o rei na barriga quando alguma coisa sai do roteiro, e nunca vi serem retirados da aeronave como aconteceu com Samantha.
A empresa Gol perdeu uma grande oportunidade de rever suas condutas e apostar em políticas antirracistas. Ao invés disso, preferiu emitir uma nota vergonhosa defendendo as atitudes dos funcionários. Lamentável.
O pior disso tudo, além do constrangimento por que Samantha passou, é que ainda reforça aquele imaginário racista de que mulheres negras são 'barraqueiras' ou ainda que a cor dela nada tem a ver com a hostilidade que sofreu. A negação do racismo é característica de uma sociedade que não enxerga o próprio preconceito, ou não quer enxergar. Devemos estar sempre atentos para que não haja mais tolerância para atos racistas.
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