Topo

José Luiz Portella

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Terceira via não está na prateleira

Entre 40% a 50% de eleitores que não querem Bolsonaro nem Lula; há espaço real para que alguém tenha 25% - Arte/UOL
Entre 40% a 50% de eleitores que não querem Bolsonaro nem Lula; há espaço real para que alguém tenha 25% Imagem: Arte/UOL

Colunista do UOL

28/09/2021 09h29

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

A terceira via não está na prateleira dos grandes supermercados de consumo. Antonio Gramsci disse: " É preciso fabricar os fabricantes". Ele se referia aos empresários, mas isso vale agora para a terceira via.

É preciso construí-la. Como nós brasileiros somos imediatistas, ansiosos, avessos a ritos, partidários de atalhos chamados "jeitinhos", queremos que as coisas estejam prontas, num modelo "prêt-à-porter" que se veste imediatamente ao desejo. Como existem entre 40% a 50% de eleitores que não querem, a princípio, nem Bolsonaro nem Lula, e há um espaço real para que alguém tenha 25%, e possa erradicar Bolsonaro do segundo turno, há uma precipitação deletéria a atrapalhar à constituição da terceira via. O desejo atropela a formação. E cria a percepção de impossibilidade, o que favorece exatamente a Lula e a Bolsonaro.

Os alvos se transformam em beneficiários. O primeiro obstáculo é a soberba e a cissiparidade da esquerda. Quem é do centro para esquerda tem a mania de vetar os outros, encontrar defeitos em todas as alternativas. Se houvesse alguém perfeito não seria humano, não estaria no reino terrestre. Se houvesse alguém quase perfeito, ele já estaria com 15% ou mais, despontando para se afirmar. Não há.

Ou a opção é considerada um "janotinha" burguês, um "estagiário", como se falava de Luciano Huck, ou se "não é isso, é outra coisa", sempre na linha de excluir possibilidades em vez de construir. Não se busca uma solução, e sim um problema, facilitando a vida de Bolsonaro, que é quem exatamente a esquerda quer eliminar do cenário. É a pulsão de Tânatos da esquerda para se autodestruir. Como afirmou Sigmund Freud, a luta entre Eros, pulsão de preservação, se submete ao Tânatos, que leva à destruição. A esquerda e sua colega centro-esquerda não são fáceis, porque se acham os mais inteligentes do mundo político, "se acham", enquanto a direita, mais pragmática, se une na hora H. Os conservadores empedernidos não botavam os dentes para fora e votava, silenciosamente no PSDB contra o PT.

O segundo problema na construção da terceira via é que os candidatos não fazem autocrítica, não estudam os motivos dos respectivos limites e querem se impor do jeito que são, tentando derrubar o muro da limitação na base da cabeçada. Deve haver um motivo forte para Ciro, honesto, competente, realizador e com um plano na cabeça bem elaborado, não evoluir. Ele não vence o sarrafo além dos 10% e quando oscila é para menos. Faz o autoengano de achar que é só o seu temperamento que o obstaculiza, referindo-se mais as frases agressivas e exageradas. Não é, tem mais, No mínimo, Ciro se mostra por vezes auto referido demais, vaidoso, cheio de si, e conhecedor da "Verdade Revelada" sobre a solução para o Brasil, afastando o eleitor. Brasileiro não gosta da arrogância que os americanos apreciam.

Ele, João Doria, Eduardo Leite, deveriam estudar por intermédio de pesquisas e avaliações cuidadosas o que os impede de crescer mais numa circunstância onde existe eleitorado para terceira via, mas não há candidato que empolgue. Dizem acreditar na Ciência e no Bom Senso, contudo não os utilizam. Contrassenso. Eles negam o imperativo categórico de Kant: "Age de tal maneira, que o motivo que o levou a agir se transforme em lei universal". São muito egocentrados.

Já os novos aspirantes, além da falta de peso próprio pelo histórico, vacilam. Rodrigo Pacheco funciona como uma espécie de Rolando Lero da política, e confunde "mineiridade" com obviedade e falar nada útil ou estimulador. Está sempre a favor da paz mundial, luz elétrica, água encanada para todos, democracia, harmonia e amor universal. Não quer se definir até dezembro, patina, porque enrola. Simone Tebet é afirmativa quanto à CPI, mas precisa se aprofundar mais nos problemas do país, Alexandre Vieira precisa sorrir um pouco, é tenso e pesado. Todavia, ninguém está absolutamente fora do páreo a não ser Amoêdo, que viu a pregação neoliberal se perder nas brumas do partido Novo, um aglomerado de jovens ricos que não conhecem o que é o Brasil e suas carências, acham bonito aquele verniz de Mises e Hayek, que não dominam bem. Mandetta é um ilustre candidato a vice, se puder de Sergio Moro, que se escafedeu quando a coisa esquentou para ele. Tomou Doril, e aparece agora desenxabido e com ar provinciano, destroçado pela criatura, Bolsonaro, a quem serviu franqueando áudios ilegais.

O terceiro problema da terceira via é a incapacidade dos candidatos de cederem, negociarem, elaborarem um programa compatível com o eleitorado que desejam seduzir. Para eles, em geral, o "carro pode ser de qualquer cor, desde que seja preto" como dizia Henry Ford em seu autoritarismo clássico dos americanos que mandam na Economia. Tudo pode ser, desde que seja como cada um quer. Não dá.

A terceira via necessita ser construída, urdida com esmero e com o desprendimento compatível com a repulsa a Bolsonaro, que afirmam ter. O ego não pode ser maior do que a dor de ver o Brasil em mãos tão inábeis e corrosivas. Terceira via não cairá da árvore como uma maçã de Newton a descobrir a gravidade. Gravidade será se ela não for bem elaborada. E a culpa será dos atuais ávidos protagonistas que não logram superar suas dificuldades e olhar para si mesmos com a criticidade com que olham para os outros. Uma fina hipocrisia inconsciente.

Não há nem haverá um ser perfeito. Será perfeito se alguém conseguir excluir Bolsonaro do segundo turno. Melhor trocar o carrinho do supermercado pela fina tecelagem dos melhores tapetes.