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José Luiz Portella

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Prevent Senior, um retrato do Brasil

Prevent Senior, um retrato do Brasil. - Divulgação
Prevent Senior, um retrato do Brasil. Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

08/10/2021 15h00Atualizada em 08/10/2021 15h04

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Seguindo o ciclo político, o Brasil entra em histeria de indignação por problemas que já existiam antes, eram tolerados, e de repente, quando a face mais cruel e suja aparece para a sociedade, há uma revolta coletiva. Revolta efêmera, hipocrisia permanente.

O caso Prevent Senior é somente a ponta do iceberg a relação Estado e mercado na Saúde, um espelho do Brasil com todas as suas mazelas.

Não existe país desenvolvido sem Estado atuante, conforme exemplos dos EUA, da França, da Inglaterra, do Japão, e Coreia do Sul. Não há país rico sem a presença vibrante do mercado, segundo os mesmos países citados.

É tempo perdido e bobagem reiterada tratar dessa questão sob a ótica de um atacar o outro, como fazem muitos neoliberais e outros tantos socialistas. O segredo é a boa articulação, respeitando as especificidades do setor. Saúde, Transportes, Educação, Habitação têm arranjos diferentes e de acordo com a cultura de cada país. Não há receitinha pronta copiada de outra realidade. É preciso construir em cada lugar, e isso dá trabalho e fere interesses de ambos os lados. o que o Brasil não faz é: esforço para desenhar a solução e abrir mão de interesses próprios para o bem da coletividade. Depois todo mundo se isenta e a culpa cai num vilão de plantão ou em sujeito oculto e indeterminado. Cinismo nacional.

A Saúde, no caso em tela, não pode ser conduzida pela iniciativa privada. Temos um dos melhores sistemas de Saúde Pública, o SUS, que não recebe o apoio necessário por parte do poder público e pelo pouco caso da parte mais rica da sociedade, que tem bons planos de saúde. Com alto custo. O ideal seria ter um sistema que pudesse dar cobertura a todos com o padrão do sistema inglês, o NHS.

O Brasil, no momento, não tem recursos para tanto, embora possa melhorar muito a cobertura do SUS, se melhorar aporte financeiro e, sobretudo, se dedicar imensamente à gestão. Que não é boa no sentido mais amplo. A iniciativa privada pode complementar, como o faz em todo lugar, inclusive na Inglaterra, mas com uma regulação bem superior a que temos hoje e com limites bem controlados pelo Estado. Atualmente o que acontece é que o Estado é, em grande parte, envolvido pelo mercado, que dita regras a favor dos planos de Saúde, por intermédio de políticos, lobistas e pessoas infiltradas no poder público, vide caso das vacinas, para atuar e impor leis favoráveis ao mercado, entenda-se lucro.

O mercado não é vilão, nem herói, ele busca o lucro por constituição, não por maldade. Se deixar apenas a dinâmica do mercado funcionar, o interesse financeiro se sobreporá ao interesse público. Por natureza. Todos sabemos disso.

E aí surge um tratamento desigual: quando algo não funciona bem na área pública, o culpado nunca é o gestor, a insuficiência de meios, o culpado é o Estado. Quando algo sai errado na iniciativa privada, como no caso Prevent Senior, o responsável é o gestor, não o sistema de mercado. É assim: na Petrobras, a culpa foi da empresa ser pública, para os liberais; não foram os empresários do setor privado que corromperam os agentes públicos; no caso Prevent Senior, a responsabilidade é dos gestores da empresa. Tudo se passa como se a Petrobras fosse privatiza, não haveria corrupção. Ledo engano. A corrupção vem da ganância humana não do Estado. Diminuir o Estado, par tal motivo, não resolve.

Na Saúde os limites do mercado devem ser mais estreitos do que em outras áreas como o Transporte, ou seja, as normas devem ser mais reguladas.

Contudo, o ponto mais importante é o cinismo coletivo da fúria fugaz. Logo, logo a empresa será tolerada, em parte esquecida, a Justiça irá afrouxando possíveis penalidades e todo mundo volta ao estado de espírito de sempre, de tolerância, e os agentes que fazem a intermediação com os empresários responsáveis vão facilitando a vida dos planos de Saúde, sem utilizar o episódio para alterar o arcabouço institucional dessa relação, hoje mais promíscua do que deveria entre Estado e mercado, e de repente, o vilão passa a ser o herói por modificar seu comportamento.

O Brasil é fugaz. A histeria se transforma em leniência rapidamente e as coisas se sucedem como nada houvesse ocorrido.

A maior parte desses casos que escandaliza o país ocorre por haver um relação promíscua, que evolui para espúria, entre agentes da iniciativa privada e agentes públicos, com a atuação de pessoas infiltradas no poder público pelos interesses empresariais. É exatamente o oposto do que deveria: em vez de uma articulação feita para o bem do interesse coletivo, ela é feita para satisfação do privado, e maior ainda, quanto mais ele for amigo do governo em curso.

O caso da Prevent Senior nesse sentido é um retrato do Brasil. Que provavelmente ficará arquivado em algum álbum de fotografias de casos revoltantes no país, escondido na gaveta mais baixa da escrivaninha.

Uma hipocrisia brasileira. E "la nave va".