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José Luiz Portella

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Moro vestiu a máscara da demagogia

Sergio Moro - Reprodução de vídeo
Sergio Moro Imagem: Reprodução de vídeo

jose luiz portella

Colunista do UOL

10/11/2021 16h52Atualizada em 10/11/2021 21h17

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Entre obviedades e declarações de intenções genéricas, Sergio Moro entrou para a política, onde disse que não entraria.

Essa contradição não seria nada, se não houvesse coisa pior, que reforçasse a consolidação de um político eivado de hipocrisia, dissimulação e empulhação programática. Mais um.

Exatamente o contrário do que ele deveria ser, se fosse o Moro que surgiu por trás da persona do juiz.

É bom lembrar que ele se esquivou da verdade, quando foi admoestado e questionado pelo STF por tornar pública ligação telefônica da presidente de então, após horário autorizado. Ou seja, não é o inocente do bem, que quis transparecer na filiação partidária. Nem explicou no momento onde quis se mostrar um salvador do Brasil das profundezas da corrupção e descaminhos, como se embrenhou nas gravações do Telegram, que nunca negou devidamente. Costeou o alambrado com o atalho da gravação ilegal, para não reconhecer a autenticidade. Um movimento bem esperto. Nada transparente.

No discurso, Moro, totalmente produzido e ensaiado, largou já no segundo parágrafo dizendo que não estava "preparado" e que tinha gente que não gostava da sua voz. Para conquistar a plateia com a sua assumida debilidade, que maquiou no "media training' e na fonoaudióloga. Desde o início rolou a hipocrisia. Quis exibir a fragilidade de um político não profissional, iniciante, cheio de vontade de mudar a política. Quando estava adredemente preparado. Começou mal. Usou a estratégia americana de conquistar a plateia fazendo uma piada de si mesmo. Não colou.

Falou obviedades ululantes, sem dizer como vai fazer para resolver os problemas. Falou em unificar o país, sendo que ele é a figura que colhe um ódio incomensurável dos bolsonaristas e dos petistas. É uma das pessoas que teria maior dificuldade de unir o país.

Foi a favor da água encanada, da luz elétrica, da paz mundial e contra a guerra e de que todos brasileiros fiquem bem. Como, não disse.

Falou em família e valores cristãos, para conquistar a audiência.

Não definiu a candidatura, não teve essa coragem, e não sabe ainda o que quer fazer, apenas se colocou à disposição da luta pelo bem.

Disse que era contra a pobreza. Quem é a favor? O mais terrível dos ditadores também é contra a pobreza. Importa como o político fará para eliminá-la. Não disse.

Apenas que irá montar uma força-tarefa para combatê-la, sem explicar como será estrutural e gerencialmente, na linha dos velhos políticos demagógicos que anunciam a criação de órgãos, comissões, departamentos, como se a criação em si fosse suficiente para solucionar o problema. Não haveria pobreza se dependesse disso, todos os governos têm algum órgão que cuida dela. Isso não tem outro nome: empulhação.

Moro, para quem saiu pensadamente de uma empresa e se atirou na vida política com esmero, poderia ter dado mais substância às propostas que fez, ter ouvido alguns especialistas.

Ele fez uma declaração de intenções. Um amontoado de desejos, sem encaminhamentos e operação. Foi muito fraco. Se ele é o candidato à presidência, qualquer semelhança com o candidato Bolsonaro, que iria nos livrar da corrupção, do Centrão, do "toma lá, dá cá", não é mera coincidência. Ele tem a mesma insubsistência. Moro quis se mostrar um "Bolsonaro do bem".

Acenou para o mercado, falou que não precisava acabar com Teto de Gastos para o Brasil acabar com a pobreza, sem dizer como e, simultaneamente, fez um hedge (seguro) político falando de programas de distribuição de renda, que não se chocam com a filosofia liberal, porém, outra vez sem dizer aonde vai encontrar espaço para implantá-los, com o Teto de Gastos, por 4 anos. Mostrou nenhum domínio da questão econômica, como Bolsonaro, e uma arrogância por não ter procurado quem entenda. Moro acha que querer é poder. Ou seja, em 521 anos, ninguém quis que o Brasil se desenvolvesse, só ele, e agora ele o fará, como se o problema dependesse de vontade política. Desprezou a inteligência do distinto público, onde estamos incluídos.

O pior é que com sua aparição vindo do paraíso para salvar a humanidade brasileira, tem chances de causar impacto inicial, subir na intenção de votos, e fragmentar a terceira via. Sem querer, nesse caso, mas movido pelo equívoco funcionará como uma quinta-coluna do general Franco na guerra espanhola.

Moro só fez uma coisa certa: vestiu a máscara da demagogia, como os políticos que ele diz querer combater. Foi um fenômeno psicológico de transferência. Está na praça para ser qualquer coisa, menos o político que anunciou ser.

Um caso de hipocrisia como criação de si. Ele precisa acreditar no que quis dizer, para ser quem não é.

Temos mais um Velho Político na praça. Com cara de novo, quer dizer, de Moro.

Bolsonaro que se cuide.