Topo

José Luiz Portella

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

As vísceras explicam as campanhas, o ser humano não é só lógica

Raiva, briga, discussão - istock
Raiva, briga, discussão Imagem: istock

Colunista do UOL

20/01/2022 09h51

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Política não se faz com o fígado. Fácil de falar, impossível de fazer.

O ser humano gosta de contar história doce para si mesmo. Uma das maneiras, é se dizer guiado só pela lógica. É um autoengano, que pode nos ajudar em certas ocasiões, mas não convence a quem tem um olhar mais profundo.

Este é um erro de quem imagina que a Economia pode ser pautada apenas por equações, econometria e lógica. Economia é a busca pela vida, e ela pulsa nas vicissitudes da condição humana.

Alckmin é um bom exemplo na política, ele repete a frase inicial com constância. Mas, inconscientemente ou não, ele não agiu assim quando apoiou Doria contra Andrea Matarazzo, nem na sucessão do governo Serra, quando assumiu. Ele não é falso, é humano, e reage contra os adversários, como qualquer um, cada um à sua maneira.

Provavelmente, além da lógica da "união de todos contra Bolsonaro", está incutida na decisão de Alckmin em ser vice de Lula, uma resposta a João Doria. Alckmin chegaria ao Planalto, via Jaburu, e contribuiria na frustração do sonho dourado de Doria chegar à presidência. Tal sentimento oculto, talvez até do consciente, pode explicar porque Alckmin atropela boa parte do seu antigo eleitorado, que não entende seu movimento. Nem tudo está compreendido na razão. Há mais coisas entre o Céu e a Terra.

Os eleitores que ainda votam em Bolsonaro, apesar de reconhecer suas insanidades e declarações estapafúrdias, o fazem, em grande parte, por não aceitar a volta de Lula, como se não houvesse feito nada, livre, leve e solto. É difícil para eles, eleitores, concordar com a volta de Lula.

A melhor forma de eles derrotarem Lula é não votando em Bolsonaro e impulsionado uma terceira via. Pois Bolsonaro não derrotará Lula.

Mesmo sabendo disso, eles não conseguem fazer o movimento lógico, até agora. A repulsa que eles têm a Lula se sente mais contemplada na imagem antiLula de Bolsonaro, do que em qualquer outro. E na intenção de voto de JB, que é maior do que de Moro e Ciro.

Ciro não convence a maioria como antiLula, não só pelo passado com o petista, quando o apoiou em pleno mensalão, como também por ter repelido Lula apenas quando Lula o rejeitou em 2018 por Haddad.

Até lá, Ciro estava com Lula e queria o apoio dele. Ou seja, a raiva surgiu da rejeição, não da ação. Isso as pessoas percebem.

Lula por sua vez, também é humano, também tem raiva, mas é um pragmático, que entendeu pela vida dura que levou na infância, que era preciso engolir certos desconfortos, para chegar ao objetivo. Dar uma volta para triunfar. Ele não é sobre-humano, mas lida com mais prática com o sentimento. Não estou julgando o mérito, só mostrando a ação.

Dois candidatos geram mais repulsa: Bolsonaro e Doria, e por isso ostentam as maiores rejeições. Muito, pela forma como tratam seus adversários. E, mesmo que isso os prejudique, eles não conseguem vencer o impulso do temperamento e da personalidade. Prejudicando a eles mesmos.

Segundo técnicos do Tribunal de Contas do Estado, João Doria faz um governo sensato, mantém uma média boa de acertos, ele se posicionou corretamente com relação à vacina e enfrentou JB de forma contundente. JB tem a reprovação da maioria. O que faz Doria, um governador do maior Estado, ter só de 2% a 4% nas pesquisas? E uma rejeição semelhante a de JB?

Moro gera repulsa imensa nos bolsonaristas e nos lulistas, o que torna difícil, não impossível, ele captar votos dos bolsonaristas, mesmo aqueles que odeiam Lula e querem derrotá-lo.

Essa rejeição lhe coloca um teto.

As vísceras dos candidatos e dos eleitores explicam mais as eleições do que a adesão a programas e projetos, que a sociedade vive a apregoar, politicamente correta, que seriam os pontos para decisão.

No mundo todo, vota-se mais por emoção do que pela razão.

Programas e projetos funcionam como reforço adicional a uma decisão, que na verdade, vem do coração.

O home foge, mas é parceiro inextricável dos seus sentimentos. Ninguém escreve um artigo, emite uma opinião, sem que o sentimento não esteja envolvido. E, não há porque nos envergonhar disso, esta é a condição humana. Embora seja diferente, emitir opiniões e tomar decisões pessoais.

Por que Ciro não avança com um programa bem articulado para centro-esquerda? Entre outras coisas, porque não consegue mudar. O temperamento supera a inteligência.

O ser humano é assim e os candidatos são humanos.

As vísceras deles servem mais de termômetro do que o discurso lógico, ainda mais quando dominado pelo marketing.

Eles deveriam saber, que as pessoas podem não ser politizadas, mas elas sentem.

Melhor ser humano, reconhecer os erros, se desculpar, do que tentar driblar as nossas emoções.