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José Luiz Portella

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Quem ganha, quem perde com a autodestruição do PSDB

Colunista do UOL

29/03/2022 09h22

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A perda dos pais fundadores André Franco Montoro e Mário Covas foi um duro golpe para o partido.
Com o tempo, o afastamento de Fernando Henrique Cardoso das decisões do cotidiano, outra perda, sobretudo pelo aspecto de contéudo programático.
Porém, recentemente, a inflexão mais negativa, foi a perda de identidade. Um partido social-democrata em sua denominação e na raiz de sua emergência, não pode se tornar um partido liberal. Mais grave, neoliberal.
O lançamento do programa de governo de João Doria, com a desestatização da Petrobras, privatização do Banco do Brasil e um documento da equipe econômica contrário à revisão do Teto de Gastos, não se coaduna com o papel que os pais fundadores e o PSDB almejaram ter. Não é uma guinada à direita, é um cavalo-de-pau a 180°. Tem um preço.
As prévias tiveram a marca de uma falha grosseira para quem se pretende partido inovador e conectado.
O PSDB vagou da neutralidade à oposição a Bolsonaro, no verbo, todavia sempre ostentou deputados (não poucos), que votaram com Bolsonaro, comandados por Aécio Neves.
Este, agora, lidera o capítulo da revogação das prévias, um golpe, com a conivência de Eduardo Leite e a complacência de Tasso Jereissati, Zé Aníbal e Pimenta da Veiga. Um golpe, disfarçado pela máscara da coalizão eleitoral.
Pode-se gostar ou não de João Doria, se este tem tanta rejeição, apesar do que fez pela vacina e no governo, é porque motivo há. Não é natural um candidato a presidente ter 5% de intenção de votos no estado que governa.
Contudo, derrogar as prévias, é feio, em partido que surgiu com a proposta de prévias.
O PSDB foi criado sob a égide de um partido que negava o "caciquismo quercista" dominante no PMDB, e procurava uma forma mais democrática de escolher seus futuros candidatos, libertando-se do controle dos diretórios por parte do governador de plantão.
O PSDB, ao contrário do que muitos pensam, não foi um rompimento com Sarney, embora houvesse divergências com o governo dele, mas foi cisão com o PMDB quercista da época. Sem fazer juízo de valores, mas reconstituindo a história.
Um partido como este, não pode relativizar e derrubar prévias que foram acertadas por todos os líderes, além dos candidatos.
Eduardo Leite, em discurso de despedida do governo gaúcho, não pode negar que anuiu às prévias. Mas, passo seguinte, deixou aberta a porta para o golpe, se utilizando da possível futura coalizão com União Brasil e MDB. O enredo criado por Aécio.
Eduardo Leite está pecando demais na tergiversação e na soberba. Ele não foi candidato à reeleição, por receio, pois o RS não reelege governadores, e por se encantar com a possibilidade de ser presidente, cargo para o qual, cabotinamente, se disse preparado, com menos de 40 anos e com nenhuma experiência nacional.
Eduardo Leite deu um chapéu em Kassab, alimentando a hipótese de se filiar ao PSD, a ponto do experiente Kassab ter me afirmado que jogava "todas as suas fichas".
Kassab, astuto, deve ter deixado algumas fichas guardadas em casa, e como não passa recibo, desejou felicidades para quem o utilizou. Profissional.
Leite vai se transformar num candidato-fantasma, aquele que será, sem nunca ter sido, uma espécie de Viúva Porcina, pois terá que fazer campanha, sem ter a incumbência partidária. Algo esdrúxulo.
Para minimizar o respectivo baixo índice nas pesquisas, Leite se confortou na velha "estória" de que a população, preocupada com a sobrevivência, ainda não acordou para as eleições de 2022. Se vale o raciocínio para ele, valeria para Doria, ou seja, este deve ter a oportunidade de testar seus números a partir de julho-agosto, o que implica reconhecê-lo como candidato oficial do partido.
Isso não significa necessariamente que Doria seja o melhor candidato, porém adquiriu a incumbência em processo legal, coonestado pela direção do partido e avalizado pelos eleitores das prévias. Cerca de 44 mil.
É ruim uma liderança nova, como Leite, iniciar carreira nacional a partir de discurso débil e de um golpe.
A previsão não é boa.
A quem serve esta autodestruição? A princípio ao PT, pois ao PSDB, como partido de centro-esquerda, caberia fazer frente ao PT no eleitorado deste campo político. Com PSDB liberal e fraco, o PT açambarca os votos, robustecendo Lula.
Em segundo lugar, o processo automutilante do partido serve a Bolsonaro. Pois os votos dos antigos eleitores do PSDB que rejeitam Lula, ao fim e ao cabo, terminam na escolha do maior oponente de Lula, se agasalhando no colo de Bolsonaro.

Ganham os adversários, perde o próprio PSDB. Tiro no coração.

Ou seja, o PSDB está se suicidando, dando vida a seus principais oponentes. Trabalhando contra a terceira via, que queria ser.
Uma "eutanásia" que dá vida a Lula e Bolsonaro. Bizarro.