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Opinião

Fim da reeleição é cenoura para aumentar tempos de mandato

Ganha força no Senado a proposta de aumentar os mandatos de presidente, governador e prefeito para cinco anos, sem direito à reeleição. Os senadores tomaram o cuidado de diminuir atritos e garantiram a Lula, aos atuais governadores e prefeitos o direito a se reelegerem. A novidade só valeria para depois de 2026.

E daí? Esse cuidado tem a vantagem de diminuir a quantidade de opositores à proposta, mas não só. Tem um subproduto muito importante para vender a ideia: a ênfase de comunicação é no fim da reeleição. Deixa em segundo plano o real interesse dos senadores: estender os mandatos no Senado de 8 para 10 anos.

Como assim, por exemplo? A "salamandragem"(*) é engenhosa. Foi apresentada em etapas, na ordem inversa ao real interesse dos proponentes, de modo a deixar menos óbvia a manobra:

  1. Criam um problema que não existia: a reeleição passa a ser a raiz de todos os males da democracia brasileira. Logo, precisa acabar.
  2. Segundo: quatro anos é pouco para um prefeito, governador ou presidente fazer algo. Logo, é preciso aumentar os mandatos para cinco anos.
  3. Terceiro: Putz, mas isso vai descasar as eleições do Executivo com as do Legislativo? Logo, é preciso aumentar também os mandatos de deputados de quatro para cinco anos, e os de senadores de oito para dez anos.
  4. Quarto: Tem que ajustar as eleições municipais à nova regra e aumentar os mandatos de vereadores para casarem com os de prefeitos. Mas cinco é impar, não dá pra fazer a eleição municipal no meio dos mandatos de deputados e governadores. Logo, precisa fazer tudo junto: eleger do vereador ao presidente no mesmo pleito. Sete ou oito votos de uma vez só a cada cinco anos.

Resultado: menos eleições. Estará, assim, atingido o real objetivo dos geniais idealizadores da proposta de "acabar com a reeleição".

E por que eles querem menos eleições?

  • Como diz o grande cientista político Adam Przeworski, "eleições deixam os governantes apreensivos mesmo quando seu mandato não está em jogo, pois a incapacidade de atingir determinadas metas (como comparecimento alto dos eleitores) os deixa vulneráveis à remoção (do poder) por outros mecanismos".
  • Mais do que isso: eleições são momentos de catarse social. Não raro, durante as campanhas eleitorais ou após eleições com suspeita de fraude, há mobilizações de rua que ameaçam a estabilidade do regime e a permanência dos governantes.

Logo, quanto menos eleições, melhor para os mandatários, sejam eles do Executivo ou do Legislativo. Um governador ou um senador, um prefeito ou um vereador, um deputado ou um presidente terão garantidos um ano a mais de mandato. No caso dos legisladores, uma carreira de 20 anos estaria garantida com quatro eleições em vez de cinco para deputados, e apenas duas para senador. Um maná.

Tradução: senadores querem aumentar seus mandatos e, como é impopular, arrumaram um subterfúgio, uma cenoura, para mudar o foco da discussão: o fim da reeleição.

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Reeleição dá muita vantagem ao incumbente? Sem dúvida, 4 para 1. Mas não é isso que está em jogo. O que está em jogo é aumentar os tempos de duração de todos os mandatos e fazer menos eleições. Por que isso favorece não a democracia nem o eleitor, mas os mandatários, quem já está no poder.

(*) Salamandragem = salamandra + malandragem. Salamandra é uma referência à deformação dos distritos eleitorais nos EUA para favorecer os candidatos de um partido. Os mapas acabam virando desenhos com rabos e pernas, parecidos com salamandras. É uma malandragem, como gritar "reeleição" quando o real objetivo é aumentar tempos de mandato.

***

O Análise da Notícia vai ao ar às terças e quartas, às 13h e às 14h30.

Onde assistir: Ao vivo na home UOL, UOL no YouTube e Facebook do UOL.

Veja abaixo o programa na íntegra:

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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