Vice-presidência de Mourão mudou de patamar
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Jair Bolsonaro se esforça para consolidar um entendimento com o desastre. A crise do coronavírus o intimou a decidir se quer ser presidente ou estorvo do seu governo. Tomado por suas declarações mais recentes, Bolsonaro parece inclinado a escolher a segunda opção. Seu destempero deu uma aparência moderada ao general Hamilton Mourão. O vice-presidente mudou de patamar.
Contrariando a prudência militar, o capitão Bolsonaro carbonizou Henrique Mandetta, comandante do pelotão do governo federal na guerra histórica contra o flagelo viral. Cavalgando a ciência, o titular da Saúde defende o isolamento social. Dono de uma verdade própria, o presidente ameaça produzir aglomerações por decreto: "Posso abrir o comércio numa canetada".
Mandetta tornou-se um colecionador de elogios. Bolsonaro ouve panelaços. Simultaneamente, o vice Mourão aproveitou evento promovido por um banco nesta quinta-feira para ecoar as preocupações do ministro da Saúde e defender uma retomada das atividades econômicas "lenta, gradual e segura", sem arroubos nem canetaços.
Bolsonaro diz que ele e Mandetta andam "se bicando há algum tempo". Descarta a demissão "no meio da guerra". Mas acusa o auxiliar de ter "extrapolado", ignorando a hierarquia. E realça que "nenhum ministro é indemissível". Acha que o ministro deveria ouvir mais o presidente. Falta-lhe "humildade".
A resposta de Mandetta à carbonização deixa a impressão de que Bolsonaro meteu-se num processo de autocombustão. "Quem tem mandato popular, como ele, fala. Quem não tem, como eu, trabalha", disse o ministro. Foi como se o subordinado dissesse para o chefe algo assim: "Se não quer ajudar, tente não atrapalhar."
Politicamente isolado, Bolsonaro refuga o papel de líder. Trancou-se em seus rancores. No bunker palaciano, xinga ministros, governadores, prefeitos e a imprensa. Generais o aconselham a maneirar. Mas os auxiliares que o chamam de mito e o filho Carluxo encomendam o sangue dos rivais. Nesse grupo, Mourão é tratado como pretendente ao trono.
Em privado, Mourão assegura que não conspira contra Bolsonaro. Nem precisaria. Qualquer frequentador de palácios sabe que, quando um presidente definha, o vice ascende por gravidade.
Mourão costuma medir as pessoas pelas dimensões de seus assentos. Ainda era general da ativa quando uma declaração de conteúdo político lhe rendeu, sob Dilma Rousseff, o afastamento do cobiçado posto de comandante militar da região Sul. Reconheceu que falara demais. E resignou-se com a punição: "Cada um tem que saber o tamanho da sua cadeira."
Nessa época, Mourão não imaginava que viraria para Bolsonaro o mesmo tipo de assombração que Michel Temer foi para Dilma. Alvo constante de Carluxo, Mourão costuma dizer que o filho Zero Dois de Bolsonaro ainda "vai entender o tamanho da cadeira de cada um. E vai se limitar à sua."
Diferentemente de Mandetta, Mourão é um incômodo com mandato. Não está ao alcance da caneta de Bolsonaro.
Suprema ironia: Em agosto de 2018, outro filho do presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, celebrou assim a perspectiva de conversão de Mourão em vice na chapa do pai: "Sempre aconselhei o meu pai: tem que botar um cara faca na caveira pra ser vice. Tem que ser alguém que não compense correr atrás de um impeachment."
Bolsonaro gosta de dizer que Mourão é "mais tosco" do que ele. O clã presidencial imaginou que a companhia do general transformaria o capitão, por contraste, num estadista instantâneo. Deu-se algo diferente. De tanto fabricar polêmicas e crises, Bolsonaro conseguiu ampliar o assento do seu vice.
Na última terça-feira, sentindo-se acuado, Bolsonaro propôs em rede nacional um "pacto" entre o Congresso, o Supremo, governadores, prefeitos e a sociedade pela "preservação da vida e dos empregos." Não colou.
O ainda presidente poderia considerar a hipótese de firmar dois pactos consigo mesmo: o de começar a trabalhar e o de parar de atirar no próprio pé. Do contrário, Bolsonaro não deixará a Presidência. Ele pode receber alta.
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