Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
Indicação para o STF virou gincana evangélica
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O processo de escolha do substituto de Marco Aurélio Mello no Supremo Tribunal Federal virou uma espécie de gincana para agradar os evangélicos. No seu primeiro ano de mandato, Bolsonaro avisou que uma das duas vagas que teria de preencher na Suprema Corte seria destinada a um personagem "terrivelmente evangélico." Na primeira indicação, o presidente decepcionou os seus devotos ao fugir do critério religioso. Agora, espera-se que a promessa seja cumprida.
Pastor da igreja Presbiteriana do Brasil, o Advogado-Geral da União André Mendonça é tido como favorito na corrida pela poltrona de Marco Aurélio, que se aposenta em 5 de julho. Mendonça disputa uma gincana não declarada com o procurador-geral da República Augusto Aras, que se encontrou dias atrás com dois pastores amigos de Bolsonaro: Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo; e Abner Ferreira, da Assembleia de Deus de Madureira.
Na noite da última quarta-feira, Aras protocolou no Supremo pedido de suspensão dos efeitos de um decreto do governador paulista João Doria que proibiu a realização de eventos religiosos presenciais na Páscoa. Na manhã de quinta-feira, Mendonça pediu a mesma coisa à Suprema Corte. Ambos se manifestaram numa ação movida pelo PSD.
Com uma tacada, Aras e Mendonça atendem às expectativas dos pastores e adulam Bolsonaro com ao questionar decreto do rival Doria, protagonista do que o presidente chama de "turma do fique em casa". No afã de se posicionarem na disputa pela poltrona no Supremo, o procurador-geral e o advogado-geral deram de ombros para a evidência de que, com hospitais cheios, o melhor é deixar as igrejas vazias.
Num colegiado composto de 11 ministros, uma toga com pendores religiosos talvez não seja suficiente para fazer e acontecer. Em matéria de costumes, a Suprema Corte brasileira vem se revelando, digamos, avançada. Coleciona decisões que favoreceram a ciência, as minorias e os grupos sociais vulneráveis.
Por exemplo: o reconhecimento da legalidade das pesquisas com células tronco, a validação da Lei Maria da Penha, a interrupção da gravidez em casos de fetos anencefálicos, o direito ao aborto no primeiro trimestre da gravidez, o reconhecimento da união homoafetiva e a equiparação da homofobia ao crime de racismo.
Foi graças à criminalização da homofobia que Bolsonaro revelou em maio sua intenção de premiar um evangélico. O presidente queixou-se de que o Supremo estaria "legislando". A crítica soou esquisita nos lábios de alguém que invadiu a competência do legislativo ao baixar por decreto regras sobre armas que dependeriam da aprovação de projeto de lei.
No plano pessoal, a filosofia de vida do evangélico a ser prestigiado por Bolsonaro não interessa a ninguém. Numa poltrona do Supremo, o pensamento do futuro magistrado interessará ao país. Ali, o religioso será apenas um servidor público de um Estado laico.
Nesse Estado, a violência contra homossexuais e a união entre pessoas do mesmo sexo são dados de uma triste realidade. Ao criminalizar a homofobia, o Supremo apenas equipa o Judiciário para punir criminosos. Ao legalizar a união homoafetiva, permite que mais brasileiros tenham direito a uma vida comum, partilhando desde planos de saúde até bens e imóveis.
Quando indicou o desembargador Kassio Nunes Marques para a vaga de Celso de Mello, Bolsonaro disse que o escolhido já havia tomado muita tubaína com ele. "Não vou botar uma pessoa só por causa do currículo. Tinha que ter um contato a mais comigo", declarou. Ficou entendido que a tubaína pesou mais que o preparo técnico.
O que diz a Constituição? O escolhido precisa ter mais de 35 anos e menos de 65 anos. E tem de reunir duas qualidades: "notável saber jurídico" e "reputação ilibada". Ou seja: a honestidade e o conhecimento do Direito deveriam pesar mais do que o gosto por refrigerantes ou a tendência religiosa.
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