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Josias de Souza

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Mágico, Bolsonaro tira gambás da cartola e exibe o show de autoencolhimento

                                MAURO PIMENTEL/AFP
Imagem: MAURO PIMENTEL/AFP

Colunista do UOL

04/12/2022 04h20

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Acreditar que a Terra é plana, que as urnas foram fraudadas e que Lula não subirá a rampa é um direito de cada um. Noutros tempos, a Inquisição romana queimava os que aceitavam as ideias de Copérnico, para quem a Terra girava em torno do Sol. E Bolsonaro ainda não aceitou nem Darwin, que dirá as urnas. Mas o final de semana ganharia novo sentido se os golpistas se entregassem a um passatempo. A coisa começa com uma pergunta singela: "E se...?"

E se Bolsonaro tivesse vencido as eleições, como estariam as coisas? E se o Lula acusasse o TSE de fraude antes de se trancar numa cobertura em São Bernardo? E se o petismo deflagrasse nas redes sociais uma cruzada pela virada de mesa? E se os "comunistas" trancassem rodovias e cercassem os quarteis para pedir a deposição do "patriota"?

Mal comparando, o bolsonarismo injeta na receita do seu pudim métodos que fizeram do antipetismo a força política que empurrou Bolsonaro para o Planalto em 2018. Lula jamais questionou o resultado das eleições que perdeu. Condenado, submeteu-se às determinações judiciais. Mas nunca hesitou em atiçar seus radicais para botar medo em adversários. Essa tática perdeu o prazo de validade em 2015, quando a classe média desceu ao asfalto para pedir a deposição de Dilma.

Lula defendeu a permanência de sua pupila no Planalto com a língua em riste. Disse ser um defensor da paz e da democracia. Mas acrescentou: "Também sabemos brigar, sobretudo quando o Stedile colocar o exército dele nas ruas". Vagner Freitas, então presidente da CUT, fez eco: "Se esse golpe passar, não haverá mais paz no país". Aprovado o impeachment, Dilma chamou o caminhão de mudança. Em paz.

Quando foi condenado em segunda instância por corrupção e lavagem de dinheiro, Lula afirmou que não tinha "razão para respeitar" o veredicto. Teve que respeitar. Cancelou viagem que faria à Etiópia. Entregou o passaporte às autoridades.

João Pedro Stedile, o hierarca do MST, soou ameaçador: "Aqui vai o recado para a dona Polícia Federal e para a Justiça: não pensem que vocês mandam no país. Nós, dos movimentos populares, não aceitaremos de forma nenhuma que o nosso companheiro Lula seja preso".

Em São Paulo, brasileiros sem teto bloquearam com pneus incendiados a via Dutra e a marginal Pinheiros. Com a autoridade de presidente do PT, Gleisi Hoffmann, riscava o fósforo: "Para prender o Lula, vai ter que prender muita gente. Mais do que isso, vai ter que matar gente. Aí, vai ter que matar."

Quando teve a prisão decretada, com o aval do Supremo Tribunal Federal, Lula refugiou-se no bunker do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Antes de se entregar à Polícia Federal, fez um comício. Disse à multidão: "Eles têm que saber que vocês são até mais inteligentes do que eu. E poderão queimar os pneus que vocês tanto queimam, fazer as passeatas que tanto vocês queiram, fazer ocupações no campo e na cidade..." A revolta social revelou-se uma ficção.

Retorne-se, por oportuno, às interrogações do passatempo de domingo. E se Bolsonaro tivesse vencido as eleições? Bem, nessa hipótese, o capitão consolidaria seu projeto de transformar o Brasil numa autocracia mequetrefe.

E se o petismo se insurgisse contra o resultado? Bolsonaro cobraria do desafeto Xandão a reafirmação da segurança do sistema eleitoral que sempre questionou. E se a turma da CUT, do MST e do MTST trancasse rodovias e acampasse nas imediações de prédios militares? Bolsonaro não hesitaria em acionar as forças de segurança, inclusive as próprias Forças Armadas, se necessário.

Nos últimos quatro anos, nenhum outro empreendimento prosperou tanto no Brasil quanto a fábrica de crises que Bolsonaro instalou no Planalto. Exilado no interior de sua mediocridade desde que foi derrotado, o pior presidente da história revela-se incapaz de desfazer as crises que cria. Pior: imagina que pode resolver sua penúltima crise criando outra crise bem maior.

Bolsonaro revelou-se um presidente mágico. Especializou-se em tirar gambás de dentro da cartola. Agora, reduz sua própria estatura na frente das crianças. Trancado no Alvorada, prepara um grand finale. Ensaia sua desaparição da cerimônia de posse. Sempre foi uma pequena criatura. Torna-se uma diminuta figura.

O hipotético prestígio que foi conferido a Bolsonaro pelos 58 milhões de votos amealhados no segundo turno logo caberá numa caixa de fósforos.

Ao contrário do que imagina Bolsonaro, cidadão não é uma cidade grande. E democracia não é coisa criada pelo demo para transformar a vida em sociedade num inferno. Homo sapiens também não é um sapo homossexual.

Se é verdade que saímos de um Neandertal e chegamos à inteligência artificial e às urnas eletrônicas, até que evoluímos um bocado. Mas é preciso admitir: o modo como Bolsonaro impõe ao país sua ignorância natural desafia a lógica evolucionista.

Dias atrás, a cena de uma multidão de bolsonaristas piscando os celulares para o céu foi vista como uma tentativa dos patriotas de convocar uma intervenção alienígena. Se os militares não se animam, por que não apostar no envio de uma tropa de extraterrestres para impedir a posse de Lula?

Ainda não apareceu nenhum E.T.. Mas se Bolsonaro e o bolsonarismo não decidirem rapidamente de que lado da Terra plana vão saltar, se continuarem implicando com Darwin e com as urnas, o macaco originário logo fará uma reaparição. Brandindo um livro sobre a teoria evolucionista, indagará: Valeu a pena?