Josias de Souza

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Câmeras da PM não apareceram, mas Tarcísio está sendo filmado

Imaginava-se que as imagens das câmeras corporais usadas pela polícia de São Paulo fulminariam a imaginação de gestores ficcionistas. Deu-se o oposto. A reação policial à morte do soldado Patrick Reis deixou em Guarujá um rastro de cadáveres e denúncias —de abuso de poder à tortura. Mas Tarcísio de Freitas proferiu um veredicto antes do início de qualquer investigação: "Não houve excesso".

Três órgãos de controle requisitaram as cenas captadas pelas câmeras acopladas aos uniformes dos policiais: a Ouvidoria da Polícia, a Defensoria Pública e o Ministério Público. Decorrida uma semana, imagens que deveriam estar automaticamente disponíveis ainda não vieram à luz. Ressoa o veredicto absolutório de Tarcísio. Denúncias de abuso? Ora, são meras "narrativas".

Na campanha de 2022, enganchado a Bolsonaro, Tarcísio contestou a validade do programa de filmagem do trabalho policial. Disse que, eleito, aposentaria as câmeras. Àquela altura, registrava-se uma queda de quase 80% na taxa de letalidade policial em 19 batalhões da PM paulista que grudaram filmadoras nos uniformes dos seus policiais.

Ao farejar em pesquisas internas a popularização das câmeras, Tarcísio recuou. Às vésperas da eleição, informou que avaliaria tecnicamente a eficácia da política de transparência. Eleito, comprometeu-se a manter inalterado o programa adotado em 2020, sob João Doria. Levou o compromisso ao pé da letra. Em sete meses de governo, não adicionou uma mísera câmera às 10.125 já existentes.

Tarcísio escolheu para o posto de secretário de Segurança Pública um crítico das câmeras, o deputado federal bolsonarista e capitão da PM Guilherme Derrite. Na última segunda-feira, quando o governo paulista contabilizava oito pessoas mortas pela polícia na operação do Guarujá, Derrite declarou que as imagens "estarão à disposição" da Justiça e dos promotores.

No dia seguinte, Derrite começou a se reposicionar em cena. Afirmou que algumas das câmeras usadas por PMs nas comunidades pobres da Baixada Santista talvez não tenham funcionado adequadamente. Hoje, os mortos são contados em 16. A Ouvidoria da Polícia estima que o monturo de cadáveres pode chegar a 19. E nada das imagens.

Já estava entendido que Tarcísio deixou-se capturar pela banda truculenta da polícia. Ao absolver previamente os excessos policiais, acorrentou-se a um dos lemas prediletos do bolsonarismo, segundo o qual bandido bom é bandido morto. Ao silenciar diante do sumiço momentâneo das imagens, Tarcísio troca a fama de gestor técnico pela suposição de que uma polícia matadora pode dar sobrevida a políticos precários.

Enquanto não surgirem as imagens captadas pelas câmeras que os policiais levavam grudadas aos uniformes na operação sangrenta do Guarujá, um letreiro invisível e ininterrupto piscará sobre a cabeça de Tarcísio de Freitas: "Sorria, governador, você está sendo filmado."

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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