Josias de Souza

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Opinião

Quem vai reestatizar a segurança no Rio?, eis a velha interrogação

Sabe-se desde Isaac Newton que dois espetáculos não cabem ao mesmo tempo num só palco. Estava aí em cartaz, até domingo, a novela "Quem mandou matar Marielle?". A prisão dos autores intelectuais do crime impõe a mudança do letreiro. Agora, está em cartaz uma antiga indagação: Quem vai reestatizar a segurança pública no Rio de Janeiro?

A investigação da Polícia Federal revelou um segredo de polichinelo: a criminalidade infiltrou-se no Estado. Os irmãos Domingos e Chiquinho Brazão, que contrataram a morte de Marielle, ocupam respectivamente as funções de conselheiro do Tribunal de Contas do estado e deputado federal. Ronnie Lessa e Élcio Queiroz, os executores do crime, são egressos da PM.

Rivaldo Barbosa, o delegado da Polícia Civil que deveria elucidar os homicídios, está no bolso dos milicianos. O relatório no qual a PF fecha a conta do caso Marielle injeta as Forças Armadas na encrenca. Anota que Rivaldo foi nomeado chefe da Polícia Civil em 2018, pelo general Braga Netto, que comandava uma intervenção federal na segurança do Rio. Hoje, o general é coadjuvante do inquérito em que arde o alto-comando do golpe tentado por Bolsonaro.

Domingos Brazão foi de deputado estadual a conselheiro de contas em 2015. Coube ao então presidente da Alerj, o petista André Ceciliano, emitir o parecer favorável. Hoje, Ceciliano chefia a Secretaria de Assuntos Federativos do governo Lula 3. Eclético, Domingos já fez campanha no Rio para Dilma e Bolsonaro. O irmão Chiquinho foi à Câmara em coligação com o governador bolsonarista Claudio Castro.

Chiquinho pedia à Justiça Eleitoral aval para migrar do União Brasil para o Republicanos. Com a prisão, foi expulso do União antes de sentar praça na nova legenda. Os dois partidos compõem a coligação de Lula. Até o mês passado, o deputado integrava o secretariado do prefeito Eduardo Paes. Reassumiu a cadeira na Câmara ao saber que Ronnie Lessa levara os lábios ao trombone numa delação à PF.

Ronnie Lessa e Élcio Queiroz, os executores de Marielle, prestavam serviço ao Escritório do Crime, estruturado por outros dois ex-PMs: o major Ronald Paulo Pereira e o capitão Adriano da Nóbrega. Ambos foram homenageados na Assembleia Legislativa do Rio com menções honrosas propostas pelo então deputado estadual Flávio Bolsonaro. Adriano enfiou uma ex-mulher e a mãe na rachadinha do gabinete do Zero Um.

As travas que retardaram a elucidação do caso Marielle por seis anos escancararam as entranhas do relacionamento promíscuo entre a criminalidade e o aparato estatal no Rio. As milícias aderiram à lógica das coalizões. Dominam territórios, controlam o voto, elegem bancadas e passam a indicar prepostos para cargos públicos, não apenas na área de segurança. Lula rompeu a inércia quando autorizou Flávio Dino a colocar a PF no encalço dos responsáveis pela criminosos. Deveria aprofundar o serviço, capitaneando um movimento pela reestatização da segurança —no Rio e em outras praças. Resta saber se terá ousadia compatível com o tamanho da empreitada.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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