Josias de Souza

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Opinião

Elon Musk intima Brasil a provar que não é república de bananas

Elon Musk, o bilionário que comprou o Twitter, agora rebatizado de X, tirou o final de semana para tratar o Brasil como uma república bananeira. Defendeu a renúncia ou o impeachment de Alexandre de Moraes. Mimetizando Bolsonaro, trombeteou que descumprirá ordens judiciais do ministro do Supremo. Anunciou que recolocará em circulação postagens e perfis retirados do ar por Moraes. Insinuou que o magistrado representa o lado sombrio da força, apelidando-o de "Darth Vader" brasileiro.

Ironicamente, as instituições do Brasil fornecem a Musk o material para a campanha de desqualificação. No ano passado, cedendo a uma aliança ruidosa das big techs com o bolsonarismo, a Câmara engavetou o Projeto de Lei das Fake News, que levaria o Código Penal para dentro das redes sociais. O governo Lula fez corpo mole. Alheio à inação, o Supremo se absteve de pautar o julgamento de quatro ações que pedem a imposição dos rigores da Constituição e das leis às plataformas digitais que abrigam impunemente conteúdos mentirosos e criminosos.

Restou demonstrado que os Poderes no Brasil produzem inação e descaso como as bananeiras dão bananas. Vem daí a desenvoltura criminosa de Elon Musk, pois um país que não se dá ao respeito sujeita-se a ser desrespeitado. O vácuo legal transformou Alexandre de Moraes numa espécie de xerife do saloon virtual.

Em maio do ano passado, num despacho em que ordenou às plataformas digitais a remoção de conteúdo mentiroso sobre o Projeto das Fake News, Moraes anotou: "é urgente, razoável e necessária a definição — legislativa ou judicial — dos termos e limites da responsabilidade solidária civil e administrativa das empresas; bem como de eventual responsabilidade penal dos responsáveis por sua administração". Moraes reiterou o óbvio: "As redes sociais não são terra sem lei". Decorrido quase um ano, nada foi feito. Nem no Congresso nem no Supremo.

Um detalhe transforma a inação em abjeção: o projeto que a Câmara mantém no gavetão de assuntos pendentes é muito bom. Reproduz o modelo europeu de regulação das mídias sociais. Concede às plataformas a prerrogativa da autorregulação. Mas obriga os conglomerados a incluírem entre os conteúdos moderados postagens que desrespeitam as leis sobre violações que são incontroversas: racismo, violência contra a mulher, terrorismo, golpe de Estado, crimes contra a infância, indução à mutilação e ao suicídio e infração sanitária.

Pela proposta, a cada seis meses as plataformas que administram as redes sociais precisariam submeter seu monitoramento a uma auditoria independente e divulgar um relatório. Nesse ponto entraria em ação um órgão regulador, com poderes para impor sanções gradativas — de advertência a multas pesadas — em caso de violações. O debate empacou na definição da composição do órgão regulador.

Depois de capitanear a articulação que travou a votação do projeto que criminaliza a mentira e obriga os conglomerados digitais a remover o crime da internet, o bolsonarismo associou-se à campanha desencadeada por Musk. A aliança é previsível. Reúne os difusores de inverdades àquele que as monetiza.

Um empresário que não ambiciona o lucro erra o alvo. Mas um bilionário como Elon Musk, que almeja o lucro a qualquer custo, inclusive por meio da monetização do crime, vira alvo. Quem se contrapõe a uma exigência tão elementar como a remoção do conteúdo criminoso que intoxica as redes sociais torna-se cúmplice da delinquência. A pregação criminosa do dono do X intima o Brasil a provar que não é uma república de bananas.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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