Onda de greves e pavios acesos pelo Congresso despertam Lula
Há mistérios insondáveis enterrados na alma de Lula. Ele declarou, no final do ano passado, que "dinheiro bom" é aquele que "é transformado em obras". Pouco antes, já havia desdenhado das metas fiscais do seu ministro da Fazenda, Fernando Haddad. "Nós dificilmente chegaremos à meta zero, até porque não quero fazer cortes. Se o Brasil tiver um déficit de 0,5% o que é? De 0,25%, o que é? Nada!"
Apaixonado pela própria voz, Lula voltou à carga no início deste mês de abril. Num instante em que Haddad recuava de suas ambições fiscais e tentava convencer cerca de 20 corporações de servidores que reivindicam reajustes de que não há dinheiro para aumentos neste ano de 2024, Lula disse, em cerimônia pública: "Não tenho moral para falar contra greve, nasci das greves".
Lula fez todos esses comentários pisando nos astros, distraído. Não se deu conta de que escancarava as portas dos cofres do Tesouro para as reivindicações salariais e para congressistas ávidos por turbinar gastos. De repente, acossado por greves do funcionalismo e surpreendido por pavios que os congressistas acenderam, Lula despertou.
Nesta sexta-feira, em reunião de emergência com ministros palacianos e seus líderes no Congresso, o presidente esboçou uma estratégia para desativar pautas-bomba que ameaçam explodir dentro dos cofres do seu governo. Algo tão difícil quanto devolver a pasta de dentes para o tubo. O ruído do tic-tac é potencializado por quatro encrencas.
Rodrigo Pacheco, o presidente do Senado, pôs para andar emenda constitucional que concede reajuste automático de 5% a cada cinco anos a juízes, procuradores e outras carreiras do Judiciário. Custo estimado de R$ 42 bilhões.
Congressistas ameaçam derrubar veto de Lula às emendas de parlamentares. Coisa de R$ 5,6 bilhões.
Arma-se a prorrogação do Perse, um programa de socorro instituído na pandemia para o setor de eventos. Mais R$ 20 bilhões.
De resto, os parlamentares dão de ombros para a tentativa de Haddad de brecar um mimo previdenciário de R$ 10 bilhões concedido às prefeituras.
Tudo isso ocorre contra um pano de fundo econômico tisnado por uma conjuntura externa que está eletrificada pela trajetória dos juros nos Estados Unidos e pela instabilidade do conflito no Oriente Médio.
Juntando-se os desafios externos às bombas internas, quem esperava pelo ajuste das contas nacionais apenas pela elevação das receitas, sem o manuseio da tesoura, já puxou uma cadeira. Ou um ronco. Lula pode ter acordado tarde demais.
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