Josias de Souza

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Opinião

Reescrito pelo STF, petrolão vira assalto por geração espontânea

Ao cancelar com uma canetada todas as sentenças impostas a José Dirceu no âmbito da Lava Jato, o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes virou mais uma página do petrolão. Para trás. De palpável, sobrou muito pouco, quase nada, do escândalo.

No seu balanço de 2014, a Petrobras estimou que o assalto aos seus cofres produziu prejuízo de US$ 2,5 bilhões —R$ 6,2 bilhões pelo câmbio da época. O documento anota que um cartel de empreiteiras superfaturou contratos com a estatal entre 2004 e 2012.

Os valores desviados, informou o balanço, foram usados "para financiar pagamentos indevidos a partidos políticos, políticos eleitos ou outros agentes políticos, empregados de empreiteiras e fornecedores, ex-empregados da Petrobras e outros envolvidos no esquema".

As sentenças contra Dirceu estavam escoradas em delação e provas. Numa delas, de 2016, o ex-chefe da Casa Civil de Lula foi condenado a 23 anos e três meses de prisão pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Demonstrou-se o recebimento de propinas de R$ 15 milhões por contratos da empreiteira Engevix com a Petrobras.

Gilmar Mendes se absteve de analisar as evidências. Sustentou que tudo foi um "ensaio" para a condeção posterior de Lula, também anulada pelo Supremo. Nessa versão, ficou demonstrado que "a confraria formada pelo ex-juiz Sérgio Moro e os procuradores da Curitiba encarava a condenação de Dirceu como objetivo a ser alcançado para alicerçar as denúncias que, em seguida, seriam oferecidas contra Lula".

Ao expor os diálogos promíscuos de Moro com os procuradores da força-tarefa de Curitiba, a Vaza Jato impôs à historiografia uma revisão do enredo da Lava Jato. A transferência do ex-juiz, hoje senador, para o Ministério da Justiça de Bolsonaro tornou a revisão um imperativo. Mas o Supremo exagera.

Ao cancelar delações sem rever os benefícios concedidos aos delatores, apagou a ação dos corruptores. Ao autorizar a revisão de multas que as empresas malfeitoras concordaram em pagar, reduziu o ressarcimento aos cofres públicos. Ao anular sentenças em série, faz sumir os corruptos.

Sobraram o rombo admitido no balanço da Petrobras e a percepção de que o petrolão, reescrito pelo Supremo, virou um tipo inusitado de assalto. Um roubo surgido por geração espontânea.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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