Topo

Josmar Jozino

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

PCC: maior biqueira de Presidente Venceslau (SP) fica dentro de presídio

Penitenciária 2 de Presidente Venceslau, onde está presa a cúpula do PCC - Lalo de Almeida/Folhapress
Penitenciária 2 de Presidente Venceslau, onde está presa a cúpula do PCC Imagem: Lalo de Almeida/Folhapress

Colunista do UOL

10/12/2021 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

O maior ponto de venda de drogas — chamado de "biqueira" nas ruas de São Paulo — de Presidente Venceslau (SP) tinha endereço certo: Rodovia Raposo Tavares, Km 623, bairro Rural. É onde fica a Penitenciária 2 da cidade, um dos mais fortes redutos do PCC (Primeiro Comando da Capital).

Em 23 de julho de 2019, agentes penitenciários fizeram uma revista no Pavilhão 1 do presídio e encontraram na caixa de esgoto farta contabilidade do tráfico de drogas na unidade, além de planos do PCC para matar autoridades.

A reportagem teve acesso aos documentos da investigação da Polícia Civil de São Paulo e do Ministério Público de São Paulo.

Mais de dois anos depois a situação não parece ter mudado. No dia 25 de outubro deste ano foram apreendidos na cela 308 do Pavilhão 3 da penitenciária 5,14 g de cocaína, 8,11 g de maconha, 10 pedaços de papel contendo a droga sintética K4 e 38 comprimidos de Viagra. Um preso do xadrez morreu e há suspeita de que tenha sido por overdose.

Agentes penitenciários ouvidos pela coluna disseram, na condição de anonimato, que no Brasil as cadeias não funcionam sem drogas e que a venda de maconha e cocaína rola solta não só na P-2 de Presidente Venceslau, mas nos demais presídios, principalmente onde há presos do PCC.

Os documentos encontrados pelos agentes penitenciários em julho de 2019 mencionam valores relacionados ao tráfico de drogas interno no presídio e também apelidos dos presidiários que compraram a maconha. Os presos acusados de vender o entorpecente viraram réus em um processo sigiloso.

Em uma das páginas da contabilidade do tráfico consta que o preso vendedor das drogas tinha uma dívida de R$ 8.450,00 por três remessas de maconha recebidas. O mesmo documento mostra que o prisioneiro iria lucrar R$ 15.500,00 sem descontos.

Plano de atentado

A Polícia Civil e o Ministério Público Estadual apuraram ainda que a documentação apreendida cita também um plano do PCC para matar um ex-diretor da Penitenciária 2 de Presidente Venceslau.

O servidor é considerado um inimigo da facção criminosa.

De acordo com o Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado), núcleo de Presidente Prudente, órgão subordinado ao Ministério Público, proprietários de uma transportadora de Presidente Venceslau levantaram para o PCC o novo endereço do ex-diretor do presídio.

A transportadora era investigada havia dois anos e fica situada nas proximidades da Penitenciária 2. Um casal dono da empresa foi denunciado pelo Ministério Público á Justiça, no último dia 27, por crimes de lavagem de dinheiro e organização à associação criminosa.

A denúncia diz que a empresa movimentou R$ 27 milhões em contas bancárias entre os anos de 2015 e 2019 sem qualquer lastro ou origem lícita, com os indicativos de que os valores sejam provenientes do crime organizado.

O Ministério Público pediu a prisão do casal, mas a Justiça indeferiu. Os denunciados, no entanto, não poderão se ausentar de casa por mais de 15 dias sem prévia autorização do juiz Deyvison Heberth dos Reis, da 3ª Vara Criminal de Presidente Venceslau.

Segundo o Gaeco de Presidente Prudente estão sendo bloqueados 31 veículos e quatro imóveis residências dos donos da transportadora. Foram cumpridos mandados de busca e apreensão nos endereços relacionados aos proprietários da empresa.

Um celular por preso

A Penitenciária 2 de Presidente Venceslau tem um longo histórico de atividades ilícitas cometidas pelos presos. Além do tráfico de drogas interno nas celas e pátios, detentos faziam da unidade prisional um verdadeiro escritório do crime organizado.

Entre os dias 2 e 4 de fevereiro de 2009, dois agentes federais do Depen (Departamento Penitenciário Nacional), fizeram uma varredura no presídio para detectar a presença de telefones celulares dentro da unidade.

Na época, a prisão abrigava 820 detentos. Foram detectados 591 aparelhos com os presos, ou seja, 72% dos prisioneiros tinham um aparelho móvel de telefonia, o que significa praticamente um equipamento para cada presidiário. A coluna teve acesso à documentação de 16 páginas do Depen.

A reportagem sobre a varredura foi publicada no site Ponte Jornalismo em 21 de fevereiro de 2018. A SAP informou à época que o equipamento do Depen detectou celulares de todo o entorno da unidade penal, de pessoas que transitaram próximo ao local de operação e de pessoas em veículos que passaram pela rodovia perto da prisão.

Resposta da SAP

Antes da publicação da reportagem, a coluna procurou a SAP (Secretaria de Administração Penitenciária) para comentar a apreensão de drogas na unidade prisional. A resposta enviada após a publicação da reportagem é a que segue:

A Secretaria da Administração Penitenciária esclarece que o UOL erra grosseiramente ao classificar a unidade prisional como ponto de tráfico de drogas, pois as apreensões citadas são fruto do trabalho desenvolvido pelos próprios agentes penitenciários no combate ao crime organizado. Os documentos são manuscritos apreendidos no presídio em 23/7/2019.

Na ocasião, foram instaurados procedimentos administrativos contra dois presos envolvidos, que apontaram que ambos cometeram faltas graves. Por isso, eles foram incluídos em Regime Disciplinar Diferenciado, sendo que um deles foi conduzido ao cumprimento da pena no sistema penitenciário Federal, onde está até o momento.

Na área criminal, foi instaurado inquérito policial que culminou em ação penal. Um dos presos foi sentenciado a 14 anos, 1 mês e 5 dias de reclusão e 2 anos de detenção e o outro a uma pena de 16 anos, 1 mês e 10 dias de reclusão. Além disso, o texto omite que desde 2014 a Penitenciária 2 de Presidente Venceslau conta com bloqueador de celular, o que torna o relatório de 12 anos atrás completamente ultrapassado.

As disputas por poder e dinheiro dentro da principal organização criminosa do Brasil são narradas na segunda temporada do documentário do "PCC - Primeiro Cartel da Capital", produzido por MOV, a produtora de documentários do UOL, e o núcleo investigativo do UOL.