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Josmar Jozino

REPORTAGEM

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Sequestro do prefeito Celso Daniel (PT) foi aleatório, diz mentor do crime

Colunista do UOL

31/01/2022 04h00

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Era 5 de junho de 2002. O delegado Edison Santi, titular da 2ª Delegacia de Crimes contra o Patrimônio do Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais) conversava informalmente com o sequestrador Ivan Rodrigues da Silva, o Monstro.

O preso havia sido capturado horas antes pela equipe de Santi, na favela do Pavão, nas proximidades da avenida Marquês de São Vicente, na Barra Funda (zona oeste de São Paulo). Todos os departamentos da Polícia Civil de São Paulo estavam à procura do criminoso.

Ele foi acusado de ser o mentor do sequestro e assassinato do prefeito de Santo André, Celso Daniel (PT). A vítima estava com o empresário Sérgio Gomes da Silva, o Sombra, quando foi arrebatada em 18 de janeiro de 2002, na Vila Vera, zona sul de São Paulo.

O delegado-titular estava na sala dele e mirava bem nos olhos do preso à sua frente. Monstro permanecia algemado com as mãos para trás. Eu entrei sem dizer nada e sentei no sofá. Antes, escondi o meu bloquinho de anotações do Diário de S. Paulo, jornal pelo qual trabalhava na época, no bolso de trás e a caneta no bolso da frente da calça jeans surrada.

O preso pensou que eu fosse investigador. Jamais imaginou que ali ao lado dele estava sentado um repórter. O delegado perguntou para ele se o sequestro de Celso Daniel tinha sido um crime político, encomendado por alguém insatisfeito, por algum motivo, com o prefeito.

O sequestrador deu uma risadinha marota e respondeu com a maior naturalidade: "Que nada, doutor. Foi tudo aleatório. A escolha foi pelo carro mesmo. Depois o pessoal soube pelos noticiários quem era a vítima. Eles se assustaram, houve uma confusão e o prefeito foi morto", revelou Monstro.

Celso Daniel estava em uma Mitsubishi Pajero dirigida por Sombra. O sequestro aconteceu na rua Antônio Bezerra. O prefeito foi levado para um cativeiro na Favela do Pantanal, em Diadema. Ele morreu com 11 tiros e o corpo, com sinais de tortura, foi encontrado em Juquitiba (SP).

Eu tinha ido ao Deic cobrir outro caso. Mas ouvi na sala de Santi o preso dizer várias vezes que Celso Daniel fora sequestrado aleatoriamente. Naquele mesmo dia, mais três vítimas da quadrilha dele, incluindo um menino de 9 anos, foram libertadas em um cativeiro em Santa Isabel (SP).

Envolvido com o PCC

Condenado a 102 anos por sequestros, homicídios e roubos, Monstro está preso na Penitenciária 2 de Presidente Venceslau (SP). No boletim informativo dele consta que o prisioneiro tem envolvimento com facção criminosa, no caso o PCC (Primeiro Comando da Capital).

Há ainda no boletim informativo o registro de 13 faltas disciplinares graves atribuídas a ele na prisão. Uma delas foi por desobediência, em 29 de setembro de 2018, na P-2 de Venceslau. Outra na mesma unidade foi por subversão à ordem e disciplina e danos ao patrimônio, em fevereiro de 2007.

Segundo a SAP (Secretaria Estadual da Administração Penitenciária), dos 102 anos de condenação de Monstro, 75 anos foram por crimes considerados hediondos. Pelo sequestro de Celso Daniel, Monstro recebeu uma pena de 24 anos em regime fechado.

Hoje, aos 47 anos, o preso não tem advogado particular e é atendido por defensor público. Monstro luta nos tribunais para obter prisão domiciliar. Ele alega ter hipertensão e problemas respiratórios e ser do grupo de risco para Covid-19. Todos os pedidos dele foram indeferidos pela Justiça.

Além de Monstro, outros cinco presos foram acusados de envolvimento na morte de Celso Daniel. As investigações da Polícia Civil concluíram que o sequestro do prefeito foi mesmo aleatório e que ele foi assassinado por confusão nas ordens do chefe da quadrilha.

Uma parte da família de Celso Daniel não se conformou com essa decisão e pediu ao MP-SP (Ministério Público do Estado de São Paulo) a reabertura das investigações por entender que o prefeito de Santo André foi vítima de crime político.

O caso teve uma reviravolta, e Sombra foi denunciado pelo MP-SP por homicídio doloso triplamente qualificado. O empresário respondia ao processo em liberdade e só não foi julgado pelo crime porque morreu vítima de câncer em 27 de setembro de 2016.