Detentos gritam por socorro em celas do 'trem fantasma' em presídio de SP
"Socorro, socorro. Meu Deus. Nos ajudem. Precisamos de vocês." Esses foram os gritos dos presos trancados nas celas do setor conhecido como "trem fantasma" da Penitenciária 1 de Presidente Venceslau, na região oeste do estado de São Paulo.
Os berros são uma reação a violações praticadas na unidade, segundo verificaram entidades de direitos humanos, como isolamento na escuridão por períodos mínimos de um mês, sem condições de higiene — com a presença de ratos e insetos — e sem direito ao banho de sol.
A unidade é destinada aos presos que cometeram faltas graves e aos ameaçados de morte no sistema prisional. O corredor do "trem fantasma" é chamado de "castigo do castigo". Segundo relato dos detentos, um dia de isolamento ali equivale ao sofrimento de um ano em uma prisão comum.
O apelo dos presos chegou aos ouvidos de: Defensoria Pública de São Paulo; Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura; OAB (Ordem dos Advogados do Brasil); Ministério Público Federal; Instituto Terra, Trabalho e Cidadania e Instituto do Direito de Defesa da Pessoa Humana.
Representantes dessas entidades inspecionaram o presídio no dia 2 de outubro e constataram violações praticadas na unidade. Entre elas, as celas do "trem fantasma" e a falta de banho de sol para os presos. Os visitantes gravaram um vídeo do setor e captaram o áudio do clamor dos prisioneiros.
A SAP (Secretaria Estadual da Administração Penitenciária) disse em nota que na Penitenciária 1 de Presidente Venceslau são tomadas todas as providências em relação à manutenção da limpeza e controle da infestação de ratos e insetos, sendo que a última dedetização foi realizada dia 14 de novembro.
Segundo a SAP, a unidade tem manutenção constante e, quando necessário, troca de materiais como lâmpadas e vasos sanitários. A nota diz que a cela mostrada na reportagem não está habitada e passará por reforma. A reportagem, porém, tem outra foto com o preso na cela. A SAP acrescenta que o presídio opera abaixo da capacidade de 781 presos, abrigando 690 e que há celas destinadas ao cumprimento de sanção disciplinar por um período de 30 dias.
Em relação à falta de banho de sol e às violações impostas a todos os presos da P1 de Venceslau, constatadas na inspeção, a SAP não deu resposta.
O que as entidades viram
A escuridão na cela é total. Nas paredes com infiltrações há apenas uma pequena fresta no alto. No chão, o preso divide o pouco espaço com ratos e insetos. E fica trancado no mínimo um mês, incomunicável e sem direito à saída para o banho de sol, prevista pela LEP (Lei de Execução Penal).
Também não há chuveiro. A água é limitada e escorre escassa por um cano. O banho é frio. O preso tem de ficar encostado na parede para se lavar e fazer a higiene. A privada é de concreto. O prisioneiro tampa o buraco com os alumínios do marmitex para impedir a entrada de ratos e baratas.
Os xadrezes do "trem fantasma" ficam em um pequeno prédio anexo, entre os pavilhões disciplinares e rente à muralha. Nessas últimas alas, os prisioneiros também não têm banho de sol.
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A defensora pública Camila Galvão Tourinho acompanhou a inspeção, feita em outubro. Ela ficou impressionada com a precariedade das celas e com o tratamento desumano imposto aos presos.
É um absurdo. Um horror. Nunca vi nada igual.
Camila Galvão Tourinho, defensora pública em SP
Segundo Camila, no setor do "trem fantasma", além da escuridão, as portas das celas são de chapas de aço e a ventilação é péssima. Ela ouviu relatos de vários presos, e todos disseram que se sentem angustiados com a situação, com as faltas de sol e de visitas e com a ausência de notícias da família.
A Defensoria Pública enviou ofício ao Deecrim-1 (Departamento Estadual de Execuções Criminais da 1ª Região), informando que constatou graves violações aos direitos dos presos na Penitenciária 1 de Presidente Venceslau, inclusive em relação à saúde.
No documento, a defensora Camila Tourinho pede explicações sobre os critérios usados para se determinar que um preso seja transferido para a P1 de Presidente Venceslau e mantido no "castigo do castigo", no chamado setor do "trem fantasma".
O juiz-corregedor Helio Narvaez, do Deecrim-1, enviou na última quinta-feira (14) ofício à SAP pedindo respostas às questões formuladas pelas entidades que realizaram a inspeção da unidade. A pasta deve responder à solicitação judicial nos próximos dias.
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