Topo

Juliana Dal Piva

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Governo dribla próprio projeto de lei para isentar importação de armas

Jair Bolsonaro faz mira com arma de fogo em Israel -  Reprodução/Instagram
Jair Bolsonaro faz mira com arma de fogo em Israel Imagem: Reprodução/Instagram

Colunista do UOL

23/02/2021 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Quando o governo federal zerou o imposto aplicado para a importação de revólveres e pistolas, em dezembro, o Ministério da Justiça estava formulando já há alguns meses um anteprojeto de lei sobre a medida com uma iniciativa focada apenas em agentes que atuam na defesa ou na segurança pública.

A equipe do presidente Jair Bolsonaro, porém, nunca apresentou o projeto ao Congresso Nacional e decidiu efetuar a mudança por meio da (Camex) Câmara de Comércio Exterior, vinculada ao Ministério da Economia. Mesmo assim, o Ministério da Justiça disse à coluna que a produção do anteprojeto segue.

Apesar de o governo ter publicado a isenção da importação no diário oficial em dezembro, o ministro do do STF (Supremo Tribunal Federal) Edson Fachin suspendeu o ato em ação pedida pelo PSB. O plenário do STF vai retomar o julgamento sobre o caso essa semana.

Em análise

A pasta da Justiça informou à coluna que o anteprojeto sobre o assunto foi "desenvolvido de forma interministerial" com a participação dos ministérios da Defesa e da Economia. Além disso, o documento está em análise e para a aprovação final no âmbito de cada pasta. Ainda contará com o "pronunciamento do ministro de estado". A Defesa disse apenas que participou da elaboração do documento e enviou para avaliação da pasta da Economia.

Essa ampla análise, porém, foi deixada de lado quando o Ministério da Defesa tomou a iniciativa de pedir a aprovação da isenção junto à Camex, conforme revelado pela coluna "Painel" da Folha.

Em documentos a que a coluna teve acesso, é possível verificar ainda que o anteprojeto, inclusive, vai além da isenção de impostos de importação e previa outras reduções de tributos.

Ao pedir a aprovação da isenção, a Defesa escreveu: "Em 2020, o Ministério da Justiça e Segurança Pública apresentou anteprojeto de Lei em que propõe a isenção dos impostos de Importação (II), de Produtos Industrializados (IPI) e da contribuição de PIS-Cofins nas operações de importação de armas de fogo para agentes públicos de defesa e segurança Pública".

Defesa queria isenção só para agentes de segurança

O ministério explicou ainda que seriam beneficiários da legislação: integrantes das Forças Armadas, Força Nacional, guarda municipal, agente operacional da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), agente do Departamento de Segurança Presidencial do GSI (Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República), integrantes dos órgãos policiais, agentes e guardas prisionais, integrantes de tribunal do Poder Judiciário e dos Ministérios Públicos, desde que efetivamente estejam no exercício de função de segurança.

O objetivo, segundo o documento, era aumentar a "segurança e proteção de agentes públicos, facilitando o acesso à maior variedade de marcas e modelos de armas, com a redução de custo e, dessa forma, garantindo melhores condições de trabalho e maior proteção individual".

Foi preparada até uma nota técnica na (Senasp) Secretaria Nacional de Segurança Pública que apresentou ao ministério que "um modelo de pistola de uma fábrica renomada foi oferecido em processo licitatório da Senasp ao preço de R$2.655,34 para a região Centro-Oeste. A mesma arma está sendo anunciada em uma loja de armas em Brasília por R$12.301,16".

No entanto, depois que a Defesa apresentou, a Procuradoria de Fazenda do Ministério da Economia afirmou ser inconstitucional que a isenção beneficiasse apenas alguns grupos. Com isso, foi proposta uma isenção geral da importação de revólveres e pistolas.

Paulo Guedes não participou da reunião

A coluna apurou que o ministro Paulo Guedes, presidente do Grupo Executivo da Camex, não participou da reunião e que o seu substituto, o secretário Marcelo dos Guaranys, não votou. Outros dois integrantes também não votaram, mas a medida foi aprovada com sete votos.

Em nota, o ministério da Economia justificou a ausência de voto dizendo que "como o presidente (ou seu substituto) geralmente vota por último, ele pode não votar".

Pouco depois que a isenção foi publicada no diário oficial, o presidente Jair Bolsonaro comemorou no Twitter: "A Camex editou resolução zerando a alíquota do Imposto de Importação de Armas (revólveres e pistolas)".

A medida é criticada por diferentes áreas especializadas em combate à violência sob a alegação de que pode gerar ainda mais homicídios.

O senador Fabiano Contarato (Rede) classificou a isenção e as medidas do governo em prol da venda de armas um "desastre". Para ele, "sabendo que não tem respaldo político para seus arroubos autoritários, o presidente ainda invade as competências do poder legislativo para facilitar o acesso a armas e munições, desrespeitando a Constituição. Temos que seguir reagindo, seja no Congresso Nacional, seja no Supremo, às tentativas de desidratar o Estatuto do Desarmamento que salvou milhares de vidas.