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Juliana Dal Piva

REPORTAGEM

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Juiz dá prazo para governo de SP propor ações de memória no antigo DOI-Codi

6° Ato Unificado Ditadura Nunca Mais, onde familiares dos torturados e desaparecidos se reúnem nas dependências do antigo DOI-CODI, na zona sul de São Paulo, em 2019 - ALOISIO MAURICIO/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO
6° Ato Unificado Ditadura Nunca Mais, onde familiares dos torturados e desaparecidos se reúnem nas dependências do antigo DOI-CODI, na zona sul de São Paulo, em 2019 Imagem: ALOISIO MAURICIO/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO

Colunista do UOL

10/09/2021 14h42

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O juiz José Eduardo Rocha, da 14ª Vara da Fazenda Pública do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), decidiu suspender por 90 dias o processo que pede a criação de um espaço de memória no local onde um dia funcionou o DOI-Codi de São Paulo (Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de Defesa Interna). A decisão foi tomada após um pedido do governo paulista durante a audiência pública na quinta-feira (9) dentro do local. Nesses três meses, o governo deve apresentar uma proposta pela iniciativa.

"Não se fechou nada ainda. A decisão foi de suspensão do prazo por 90 dias e neste prazo o governo do estado deverá apresentar uma proposta concreta e nós vamos avaliar se é razoável ou não", afirmou Eduardo Valerio, um dos promotores responsáveis por uma ação ajuizada pela transferência da unidade da Secretaria de Segurança para a Secretaria de Cultura e pela criação de um espaço de reflexão.

Com a presença de ex-presos políticos e familiares de mortos e desaparecidos, a audiência foi realizada aos pés da escadaria que guarda marcas do período. Para o promotor Eduardo Valerio, mesmo que a conciliação tenha ocorrido, a audiência foi um acontecimento histórico e um alento à memória.

"Um ex-preso político que foi torturado lá, cujo pai foi morto sob tortura também lá, foi apresentando os espaços, mostrando ao juiz o que funcionava em cada local. Isso, na formação da convicção, é fundamental e nunca antes tinha acontecido algo assim", conta Valério.

Ivan Seixas, ex-preso político que foi preso e torturado no DOI-Codi em 1971, guiou o juiz pelas instalações onde o pai e mais cerca de 50 pessoas morreram.

Segundo Seixas, há resistência do governo de João Dória em transferir o prédio da Secretaria de Segurança Pública para a Cultura.

"É extremamente importante e simbólico a audiência ocorrer lá dentro e não numa sala do Judiciário. Para nós que passamos lá, fomos torturados lá, meu pai foi assassinado lá, é extremamente importante. Tanto pela memória das vítimas como por um gesto simbólico para mostrar que o estado de São Paulo e a sociedade brasileira não aceita torturas, assassinatos e os crimes da ditadura. A onda fascista que vivemos é consequência de os torturadores não terem sido punidos", avaliou Seixas, à coluna, ao citar as manifestações de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro que defenderam uma "intervenção militar", além de outras medidas ilegais e inconstitucionais nos atos de 7 setembro.

Outro caso de assassinato sob tortura no Doi-Codi paulista foi o do jornalista Vladimir Herzog, caso pelo qual o Brasil foi condenado na Corte Interamericana de Direitos Humanos em 2018 devido à não punição dos militares envolvidos na tortura e morte do jornalista.

O promotor avalia que a realização da audiência no local ampliou as possibilidades da criação de um espaço de memória. Caso um acordo não seja firmado ou a proposta não seja apresentada no prazo, a ação continuará tramitando no TJ-SP.

Mais de 50 assassinatos no local

Na ação para a criação de um local de memória, os promotores Eduardo Valerio e Anna Trotta Yaryd traçam um histórico das violações de direitos humanos que ocorrem no prédio.

Os promotores lembraram ao Judiciário que o imóvel já foi tombado em 2014 pelo poder público estadual. "E no ato de tombamento, reconheceu-se o valor histórico do prédio por conta de ter sido espaço dedicado pelo Estado brasileiro ditatorial às constantes e gravíssimas violações de direitos humanos", descreve a ação.

Em São Paulo, já existe o Memorial da Resistência, na Luz, na antiga sede do Deops (Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo), que foi usado tanto na ditadura militar como no Estado Novo, período ditatorial de Getulio Vargas.