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Juliana Dal Piva

REPORTAGEM

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Análise: MP não tem mais motivos para atraso no caso sobre Flávio Bolsonaro

O senador Flávio Bolsonaro durante sessão da CPI da Covid - Jefferson Rudy/Agência Senado
O senador Flávio Bolsonaro durante sessão da CPI da Covid Imagem: Jefferson Rudy/Agência Senado

Colunista do UOL

16/05/2022 16h55

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A decisão do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ) de arquivar a denúncia pode soar como chancela de impunidade. Isso porque o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) foi acusado de ser líder de uma organização criminosa responsável por desviar R$ 6 milhões e o documento sequer pode ser analisado pelo tribunal antes do arquivamento. No entanto, na prática, o que ocorreu hoje é um movimento esperado depois que o STJ (Superior Tribunal de Justiça) anulou boa parte das provas produzidas ao longo de mais de dois anos de investigação. O que aconteceu nesta segunda-feira não encerra a investigação. É exatamente o contrário, a decisão do TJ-RJ acaba com qualquer motivo para que o MP do Rio não reinicie a produção de provas no caso.

Desde fevereiro do ano passado, uma realidade se impõe ao MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro) na investigação do senador: apresentar um novo pedido de quebra de sigilo. As informações obtidas em 2019 permitiram aos investigadores fazer o chamado "follow the money", ou seja, seguir o caminho do dinheiro.

A partir das quebras de vários funcionários foi possível verificar os repasses ao policial Fabrício Queiroz, apontado como operador do esquema. Também foi verificado o alto volume de saques sempre feitos em espécie. Ao mesmo tempo, foi identificado que várias despesas e compras de imóveis feitas por Flávio e sua mulher, a dentista Fernanda Bolsonaro, eram feitos em espécie e esse dinheiro não saia de suas contas. Várias vezes os promotores informaram que o patrimônio de Flávio e da mulher não tinha lastro.

Por isso, sem esses e outros dados financeiros das quebras de sigilo, aquela denúncia apresentada em outubro de 2020 não tinha como prosperar no tribunal. Então, o que aconteceu no TJ-RJ é consequência direta da decisão do STJ em fevereiro do ano passado.

O MP recorreu, mas perdeu. No caso da decisão que anulou a quebra de sigilo, o STJ já tinha decidido em abril do ano passado não enviar para reexame do STF. O despacho do ministro Jorge Mussi, vice-presidente do STJ, tinha avaliado, entre outras coisas, que a matéria tinha sido esgotada e que não existia uma questão constitucional para remeter o recurso à Suprema Corte. Na época, foi avaliado que o juiz não fundamentou corretamente a decisão.

Por isso, ao menos desde abril de 2021, a necessidade da quebra de sigilo para o prosseguimento do caso é algo que estava claro para os investigadores. Mesmo assim, o MP-RJ resolveu aguardar o julgamento de uma reclamação feita em relação à decisão que concedeu foro especial a Flávio e isso só ocorreu no fim de novembro. Avaliava-se, internamente, que era preciso aguardar a decisão do STF para prosseguir.

A outra decisão tomada pelo STJ, em novembro do ano passado, de anular todas as decisões do juiz Flávio Itabaiana, que autorizou as medidas cautelares do caso em 2019 e 2020, ampliou a anulação de provas. A partir dessa decisão, os documentos e todos os celulares obtidos nas buscas e apreensão ficaram fora do alcance da investigação. Mas esses dados eram menos essenciais para o que foi apresentado na denúncia do que os dados financeiros.

Assim, agora, finalmente, a investigação sobre Flávio poderá ser retomada e, apesar de diversas provas importantes terem sido anuladas, há muito material para ser utilizado.

A partir do primeiro relatório do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) que identificou um total de R$ 1,2 milhão em movimentação atípica nas contas do ex-assessor Fabrício Queiroz. No mesmo documento, foram apontados depósitos e transferências de outros assessores para Queiroz e, ainda, cheques no total de R$ 24 mil para a primeira-dama, Michelle Bolsonaro.

Além do relatório do Coaf que restou, também está um depoimento de Luisa Souza Paes, ex-assessora de Flávio, que admitiu devolver 80% do salário para Queiroz. No período em que esteve nomeada, ele contou ao MP que chegou a devolver cerca de R$ 160 mil. O depoimento foi feito espontaneamente porque Luisa acordou uma redução de pena com o MP pouco antes da apresentação da denúncia.

Os investigadores também podem contar com o conjunto de mensagens de Danielle Nóbrega, ex-mulher do miliciano Adriano Nóbrega, e funcionária fantasma de Flávio, segundo o MP. Ela chegou a confessar, em mensagens para Queiroz, que se sentia mal com "a origem do dinheiro". O celular dela foi obtido na Operação Intocáveis, que investiga milícias no RJ.

Como o UOL apontou, se quiser, o MP ainda possui a possibilidade de obter interceptações telefônicas nas quais Júlia Lotufo, viúva de Adriano Nóbrega, admite que a primeira mulher do miliciano era integrante do esquema no gabinete.

Os investigadores ainda possuem um depoimento, por escrito, de Fabrício Queiroz apresentado por escrito em fevereiro de 2019. Nesse documento, ele admitiu ao MP que ficava com parte dos salários. Queiroz, porém, apresentou uma versão de que obtinha os valores para fazer contratações de outros assessores. Disse que apresentaria uma lista dessas pessoas, o que nunca ocorreu. Mesmo assim, a prática é ilegal.

O MP também obteve informações de algumas construtoras envolvidas nas negociações de imóveis do senador Flávio. Uma das empresas admitiu ter recebido R$ 86 mil em espécie durante parte dos pagamentos.

Resta saber quando e se o MP irá apresentar um novo pedido de quebra. A 3ª Promotoria de Tutela Coletiva da Capital tentou uma nova quebra para instruir uma ação de improbidade, mas teve o pedido negado. Se o TJ negar um novo pedido no caso criminal, aí sim, muito provavelmente, será o fim da investigação sobre Flávio.