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Juliana Dal Piva

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Governos de 8 países gastaram US$ 112,9 mi com armas 'não letais' em 5 anos

Hugo Muniz
Imagem: Hugo Muniz

Colunista do UOL

08/06/2022 04h00

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Os governos de oito países da América Latina gastaram nos últimos cinco anos pelo menos US$ 112,9 milhões em compras públicas de equipamentos antimotim e armas "não letais". Os dados se referem a contratos de Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Guatemala e México.

As informações foram obtidas durante nove meses de uma investigação jornalística colaborativa e transfronteiriça, realizada pelo UOL com 11 meios de comunicação social do Chile, Brasil, Argentina, Bolívia, Equador, Venezuela, Colômbia, Guatemala e México, juntamente com o Centro Latino-Americano de Investigação Jornalística (CLIP). Os dados disponíveis, porém, nos dão apenas uma ideia do dinheiro público gasto com esse fim, já que em alguns países apenas parte da informação é pública.

Maria Teresa Ronderos, diretora da investigação "O Negócio da Repressão", da qual o UOL participou, analisa que as compras públicas neste setor revelam que, em 2019, os governos triplicaram as compras de armas "não letais". Chile e Colômbia, em especial. Em 2020, esses países praticamente dobraram os gastos, apesar de a região estar quase toda sob as restrições da pandemia.

Os dados apontam ainda que os gastos públicos em 2021 cresceram em relação a 2020, especialmente no Brasil e na Colômbia, onde o descontentamento social se intensificou.

Essa análise não inclui a Venezuela porque as informações datam de anos atrás, devido à falta de transparência do governo daquele país. Ainda assim, as informações mostram compras exorbitantes em comparação com as de seus vizinhos. Em 2012, de acordo com declarações de funcionários públicos obtidas pela equipe Efecto Cocuyo, da Venezuela, aquele país gastou US$ 500 milhões em armas e artefatos para reprimir as mobilizações civis.

Apesar das crescentes compras de armas "não letais" documentadas pela aliança jornalística, os governos às vezes temiam não ter armas suficientes para enfrentar os protestos adversos que se avizinhavam.

Embora um empréstimo de armas "não letais" da Argentina de Mauricio Macri para a Bolívia de Jeanine Áñez tenha vindo à tona, só agora um esforço de investigação transfronteiriça do El Deber, da Bolívia, da Anfíbia, da Argentina, e do El Universo, do Equador, conseguiu documentar minuciosamente como essa ajuda foi concedida a um governo com uma ideologia semelhante, quando enfrentava resistência de muitos cidadãos.

Também descobriram que o presidente Lenín Moreno, do Equador, emprestou armas a esse governo boliviano. Com o apoio da equipe colombiana de Cerosetenta e da CLIP, descobriu-se que Colômbia e Peru emprestaram armas ao Equador em um momento crítico. A Colômbia devolveu armas de outra marca e Quito retribuiu o favor dois anos depois, quando eclodiram protestos no próprio território.

No Brasil, o UOL verificou que diversos países utilizaram produtos Condor para conter manifestações no Chile, Equador, Bolívia, Guatemala e Venezuela. A empresa, fundada em 1985, tem sede em Nova Iguaçu, um município da região metropolitana do Rio de Janeiro.

Segundo dados abertos do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, o UOL conseguiu estabelecer que Nova Iguaçu exportou em "equipamento de segurança e ordem pública" —ou seja, balas de borracha, granadas de gás e outros— um total de US$ 8,8 milhões para 12 países latino-americanos a partir de 2018.

Como a Condor é a única empresa do seu gênero em Nova Iguaçu, pode deduzir-se que estas foram as suas vendas. O maior comprador foi o Equador com US$ 4,1 milhões, seguido pela Colômbia com US$ 1,8 milhão.

No entanto, segundo informações oficiais compiladas por jornalistas no Chile, a Condor vendeu, por meio de intermediários, 6,5 milhões de dólares à polícia chilena entre 2019 e 2021. Isso indicaria que o Chile foi o principal destino das vendas da empresa brasileira nesses anos recentes.

A base de dados, pioneira na região, foi produzida coletivamente pelos 12 parceiros desta aliança jornalística e processada pelo CLIP.

Com isso, foi possível documentar que, nos últimos cinco anos, as armas "não letais" disparadas por agentes do Estado em oito países mataram pelo menos 33 pessoas e feriram gravemente, com sequelas para o resto da vida, outras 170. Destas vítimas, 187 ocorreram no meio de protestos de cidadãos e mobilizações de rua.