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Juliana Dal Piva

REPORTAGEM

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Servidor do Arquivo Nacional denuncia perseguição política na instituição

Prédio do Arquivo Nacional no Rio de Janeiro - Wikipédia
Prédio do Arquivo Nacional no Rio de Janeiro Imagem: Wikipédia

Colunista do UOL

21/01/2023 00h04

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O servidor do Arquivo Nacional Rodrigo de Sá Netto, que trabalhava no projeto Memórias Reveladas, denunciou ao MPF (Ministério Público Federal) e à OAB (Ordem dos Advogados) que sofre perseguição política dentro da instituição. Ele relatou que foi afastado de suas funções após um episódio de censura e apontou como responsável Leandro Esteves de Freitas, superintendente de Planejamento e Gestão. Freitas é, atualmente, diretor-geral interino do AN.

"Reportou que sofre perseguição política no setor de trabalho onde exercia atividade no Arquivo Nacional", relatou Netto, nos documentos a que a coluna teve acesso.

O afastamento ocorreu depois que o servidor reproduziu, em novembro de 2022, no site do projeto Memórias Reveladas um artigo intitulado "Artigo 142 é para impedir movimento golpista, não apoiá-lo" e de autoria dos pesquisadores Ricardo Russell Brandão Cavalcanti e Saulo Emmanuel Rocha de Medeiros.

O artigo foi originalmente publicado no site Conjur e faz um levantamento histórico sobre a ditadura de 1964 para explicar a razão pela qual o artigo 142 da Constituição Federal não pode ser usado para justificar uma intervenção das forças armadas sobre o Poder Executivo. Sá Netto republicou o artigo no site do Memórias Reveladas e, dias depois, a direção do Arquivo Nacional determinou que a publicação fosse apagada. A medida seguinte foi o afastamento do servidor.

"A publicação foi ditatorialmente apagada e a supervisora de seu setor foi chamada pelo superintendente, na pessoa do senhor Leandro Esteves de Freitas, para ser comunicada sobre a retirada do artigo do portal, sendo no dia seguinte contatada pelo mesmo para afastar do setor memórias reveladas o comunicante", contou Netto, na denúncia à OAB.

"O servidor relata que após isso se sentiu perseguido e prejudicado, estando de licença médica até o dia de hoje e preocupado com sua situação no setor", completou. Para o MPF, o servidor ainda reiterou que o superintendente informou sua chefia direta que "por eu ter sido o responsável pela veiculação da matéria, eu seria removido do setor".

A coluna apurou que Sá Netto atua no projeto Memórias Reveladas há mais de dez anos. Procurado pela coluna, ele não quis se manifestar.

A partir da posse do presidente Lula, o Arquivo Nacional passou a integrar o Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos. Em nota à coluna, o ministério disse que "ainda está definindo a direção das autarquias que foram a si incorporadas, que poderão analisar caso a caso os processos pendentes em cada unidade".

O site do Memórias Reveladas foi criado em 2009 para dar publicidade a acervos e informações sobre o período da ditadura e contém uma seção de notícias dedicada à reprodução de matérias de imprensa sobre os temas ditadura, democracia e direitos humanos.

As postagens foram comuns desde a sua criação e ocorreram nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff e Michel Temer. Procurado, o servidor afastado disse que não iria comentar o assunto. O Arquivo Nacional e o Ministério da Justiça não retornaram.

Superintendente

Leandro Esteves de Freitas está no Arquivo Nacional desde 2019, primeiro ano da gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro. De acordo com seu currículo, em 1999, ele ingressou nas fileiras do Exército Brasileiro, onde serviu como Oficial Combatente Temporário até tomar posse, em 2007, no cargo de administrador na Advocacia-Geral da União.

Até dezembro de 2022, o superintendente estava sob a chefia de Ricardo Borda D'Água de Almeida Braga, ex-diretor-geral do AN. Ele foi chefe de segurança e também é ex-subsecretário de Segurança Pública do Distrito Federal. Braga é atirador esportivo foi já foi homenageado como "colaborador emérito" do Exército. Ao fim do governo Bolsonaro, foi com Anderson Torres para a Secretaria de Segurança do DF, mas depois dos atos golpistas de 8 de janeiro, acabou exonerado.

Texto censurado

O artigo retirado do site do projeto Memórias Reveladas se referia às manifestações contra o resultado da eleição como "golpistas" e trazia uma análise histórica desde o golpe militar desde 1964.

No texto, foi descrito o artigo 142 da Constituição e a explicação de que "ainda que as Forças Armadas estejam sob a autoridade suprema do Presidente da República, elas têm como função garantir a lei e a ordem, o que simplesmente impede a sua utilização para dar um golpe militar, uma vez que a nossa Lei Maior afirma que logo em seu artigo primeiro que o Brasil é um "Estado democrático de Direito". O texto ressalta que as Forças Armadas são instituições de Estado e não de Governo.

Após o fim da apuração dos votos na eleição presidencial, um boato com uma informação falsa de que as Forças Armadas poderiam aplicar o artigo 142 correu as redes sociais e mensagens entre grupos bolsonaristas. Os autores do texto do Conjur ainda assinalam que o "referido artigo constitucional não permite um golpe militar, mas sim, em verdade, serve para impedir que isso aconteça. No mais, qualquer tentativa de se estabelecer um regime militar no Brasil é um crime por parte de todas as pessoas envolvidas".

Outros casos

Criado em 1838, o Arquivo Nacional é responsável pela gestão e proteção do patrimônio documental brasileiro, garantindo à sociedade acesso à informação promovendo o direito à memória e à verdade histórica. Um dos acervos que o AN cuida é o do Serviço Nacional de Informações que foi criado na ditadura militar. Esse setor foi um dos mais afetados durante o governo de Jair Bolsonaro (PL-RJ).

A coluna ouviu outros relatos de que servidores foram afastados de suas funções por discordar tecnicamente de decisões da atual direção do órgão. Um caso ocorreu devido a um decreto que retirou do Arquivo Nacional a prerrogativa de decidir sobre a eliminação de documentos públicos. O impasse se deu após o Decreto 10148, assinado pelo presidente Jair Bolsonaro em 12 de agosto de 2019.

Duas servidoras perderam suas funções no fim do ano passado depois de uma reunião em que as chefes de departamento mostraram preocupação com a eliminação indiscriminada de documentos federais sem aprovação prévia.