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Trump deverá usar covid como arma e dizer que Biden não enfrentou calvário

Quadro clínico de Donald Trump não é claro, mas médicos cogitam alta hoje - ALEX EDELMAN / AFP
Quadro clínico de Donald Trump não é claro, mas médicos cogitam alta hoje Imagem: ALEX EDELMAN / AFP

Colunista do UOL

05/10/2020 12h49

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Quando o presidente Donald Trump foi levado de helicóptero ao hospital na última sexta-feira para tratar a covid-19, alguns analistas da imprensa americana manifestaram a ingênua esperança de que ele aprendesse algo com o episódio.

Afinal, ele pertence a um grupo de risco. Tem 74 anos e pesa 110 quilos (clinicamente obeso). Trump virou vítima da negligência e irresponsabilidade com que tratara a pandemia e a sua própria saúde nos últimos oito meses. Mas a situação despertava solidariedade até de seus críticos mais duros.

Ao contrair o coronavírus, quem sabe Trump passasse a levar a doença a sério e parasse de desinformar os americanos a respeito de medidas preventivas comezinhas, como usar máscara, manter distanciamento social e lavar as mãos com frequência. Ledo engano. No domingo, no terceiro dia de internação, Trump saiu do hospital de carro e divulgou um vídeo sugerindo que terá lições a dar ao distinto público.

"Eu aprendi muito sobre a covid. Aprendi indo realmente para a escola. Esta é a escola real. Não é como ler livros na escola. Entendo isso. É uma coisa muito interessante sobre a qual vou contar a vocês", disse o presidente dos Estados Unidos num vídeo de 73 segundos divulgado no domingo à noite.

A menos de um mês das eleições de 3 de novembro, é óbvio que Trump fará da internação mais uma arma política contra o adversário Joe Biden. O vídeo de domingo e a saída "surpresa" do hospital para cumprimentar sugerem uma melhora, mas a Casa Branca e os médicos continuam a dar informações contraditórias sobre o seu estado de saúde. O presidente americano também tem tomado drogas que são dadas para pacientes com casos graves de covid-19.

Se se curar, Trump deverá dizer que atravessou um calvário pelo qual Biden ainda não passou. Provavelmente, afirmará que, se o democrata de 77 anos contrair o coronavírus, não terá a sua resistência para enfrentar a doença. O Trump valentão voltou a dar as caras. Na manhã desta segunda-feira, publicou 19 tuítes com mentiras e agressões, como é do seu feitio.

Ao sair do hospital no domingo, Trump agiu com irresponsabilidade. Quem está infectado e sabe disso tem o dever de ficar em quarentena para proteger os outros e cuidar da sua recuperação com seriedade. Quem preside a maior potência global deveria ter toda a cautela com a própria saúde.

Os médicos deveriam ter vetado a aventura presidencial. O presidente deu uma volta de carro a fim de acenar para apoiadores que foram ao Hospital Walter Reed, que fica perto de Washington, na cidade de Bethesda, no estado de Maryland.

Apesar de doente, Trump revelou que teria encontros com soldados e funcionários do hospital militar. Mais uma vez, ele agiu com descaso pela saúde alheia, exatamente da forma como se comportou durante toda a pandemia.

É assustador imaginar o que Trump aprendeu na "escola" que disse ter frequentado. O comportamento dele continua a estimular americanos a não levar a sério a mais grave crise sanitária em um século. Sustentar a falsa narrativa que diminui a gravidade da covid-19 continua interessando a Trump eleitoralmente. Admitir que estava errado sobre a doença não o ajudaria nas urnas.