Topo

Leonardo Sakamoto

Crivella culpa cariocas pelo caos pós-chuva. Faz sentido, pois votaram nele

Crivella é atingido por lama depois de enchentes que deixaram mortos no Rio - Reprodução/TV Globo
Crivella é atingido por lama depois de enchentes que deixaram mortos no Rio Imagem: Reprodução/TV Globo

Colunista do UOL

02/03/2020 13h22

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Após uma enchente castigar Realengo, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, arrastando carros, derrubando casas, cobrindo de lama os pertences de moradores, o prefeito Marcelo Crivella ainda teve a coragem de visitar o bairro e dizer que a culpa era das mesmas pessoas que tinham perdido tudo.

"A culpa é de grande parte da população, que joga lixo nos rios frequentemente", disse. Não foi um lapso, pois repetiu a ideia na entrevista dada à imprensa. Revoltados, moradores presentes hostilizaram Crivella, que acabou atingido por lama. Desde a noite de sábado, ao menos quatro pessoas morreram em decorrência das chuvas no Rio.

Ou seja, não bastasse a tragédia que é viver em uma cidade na qual poder público não se preparou nem para mitigar os impactos causados por chuvas, através de obras de infraestrutura, saneamento e moradia, nem é capaz de alertar com antecedência as comunidades para que se preparem para o pior, os cidadãos de áreas mais pobres ainda são responsabilizados por um dos verdadeiros responsáveis.

Isso seria inacreditável em qualquer lugar, menos por aqui. Aqui, chamamos isso de cotidiano.

A cara de pau é tamanha que ele ainda disse, sem constrangimentos, em vídeo transmitido por sua página de Facebook, neste domingo (1), que o impacto das chuvas seria mitigado se as margens dos rios não fossem ocupadas por pessoas que "gostam de morar ali perto porque gastam menos tubo para colocar cocô e xixi e ficar livre daquilo".

Claro! Não foi a especulação imobiliária no Rio que jogou os mais pobres para as franjas da cidade, as várzeas dos rios, as encostas de morros e à insegurança de brejos e palafitas. Foi o masoquismo inerente ao ser humano que, diante da possibilidade de morar em Ipanema, na Lagoa Rodrigo de Freitas ou na Barra da Tijuca, preferiu por uma boa e gostosa margem de córrego fedido só para economizar em tubos de PVC.

Óbvio que a população tem sua parcela de responsabilidade no despejo de lixo em locais irregulares - mesmo que, por vezes, nem exista coleta regular. Mas o problema está longe de ser apenas isso. Ocupação irregular, planejamento, plano diretor, reforma urbana, capacidade instalada de escoamento pluvial, permeabilidade do solo são expressões ouvidas apenas no tempo das chuvas. Na seca, elas evaporam do léxico dos mandatários.

Em abril do ano passado, Crivella ainda mantinha as vergonhas cobertas com um tapa-sexo retórico. "Falhamos" e "atrasamos", disse ele sobre a falta de limpeza das galerias para escoamento de água diante das fortes chuvas que atingiram a cidade - chuvas que também deixaram mortos por soterramento, afogamento e eletrocussão. "Não fomos prudentes", também disse ao reconhecer que não posicionou equipes de atendimento perto aos conhecidos pontos críticos. "São imprevistos", afirmou diante de um novo desabamento da ciclovia Tim Maia.

Mas não se trata de falha, atraso e imprudência. O prefeito queria nos fazer crer que foi apenas incompetente e ignorante ao não se antecipar aos impactos da tempestade. O que é um absurdo dado que, aparentemente, ele não é inimputável. Crivella sempre teve em mãos informações sobre o clima e sobre recursos humanos e técnicos para reduzir o impacto das chuvas junto à população, além da experiência de quem já passou por outras situações semelhantes, pois é prefeito há mais de três anos. 

Agora, de olho na reeleição, muda de tática e encontra alguém para apontar o dedo. Sim, as vítimas.

Marcelo Crivella acerta, contudo, ao culpar a população pela situação em que vive. Afinal, ele foi eleito por ela.