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Leonardo Sakamoto

Marielle, 2 anos: silêncio sobre mandantes do crime é licença para matar

A vereadora do PSOL Marielle Franco  - Foto: Reprodução/Instagram
A vereadora do PSOL Marielle Franco Imagem: Foto: Reprodução/Instagram

Colunista do UOL

14/03/2020 23h50

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A execução de Marielle Franco e Anderson Gomes completou dois anos na noite deste sábado (14). Tão assustador quanto o assassinato planejado de uma das vereadoras mais votadas de nossa segunda maior cidade, vitrine do país no exterior, é o fato de que, dois anos após seu assassinato, os mandantes do crime não tenham sido punidos. Pior, não sabemos nem seus nomes ou a razão deles terem morrido.

A Polícia Civil e o Ministério Público do Rio afirmam que os executores são o policial militar da reserva Ronnie Lessa, acusado de ter feito parte de um grupo de matadores de aluguel, e o ex-PM Élcio Vieira de Queiroz. Eles estão presos, aguardando o tribunal do júri.

Se a participação de ex-policiais é um ultraje, a percepção da sociedade de que agentes ou ex-agentes do Estado podem ter sido os responsáveis por ordenar o assassinato de uma representante eleita, liderança negra e LGBTQI+, nascida em uma das maiores favelas do Rio, é um sinal inequívoco de falência de nosso contrato social.

A resolução da morte de Marielle e Anderson, seu motorista, não é apenas uma questão de Justiça, mas uma necessidade para que as promessas de igualdade presentes na Constituição Federal de 1988 não sejam letra morta mantida sob aparelhos para enganar quem ficou do lado de fora da festa da democracia.

"Pode matar" é a mensagem ainda hoje enviada pelo Estado brasileiro diante da ausência da revelação não só dos mandantes da morte de Marielle e Anderson, mas daqueles que ordenaram tantos outros crimes pelo país. Mulheres, negras, lésbicas, pessoas de origem pobre, defensores de direitos humanos, políticos que não se vendem ao sistema, jornalistas são ainda mais matáveis por conta desse silêncio.

Ao mesmo tempo, o recado que o país envia à sua população e ao mundo é de que, além dos direitos sociais, econômicos, culturais e ambientais, os mais pobres por aqui também não devem contar com direitos civis e políticos. Pois seus representantes são descartáveis e podem ser executados tanto por sua atuação, quanto para servirem de recado.

Sem contar que isso deixa claro que o Rio tem dono e não é a esmagadora maioria da população honesta que nele habita. Já disse aqui e repito: independente de quem seja apontado como responsável pelas execuções (se isso vier a acontecer, claro), o Estado já é culpado de muitas formas e maneiras pelo que aconteceu.

Talvez uma das principais tenha sido tentar roubar a esperança de que lutar por uma vida diferente, mais digna, como ela lutou, vale a pena. Ou seja, como disse o escritor Julián Fuks, de fazer com que nos esqueçamos de que, após uma noite escura, há sempre um amanhecer.

Mas ficou na tentativa. Marielle segue viva através das palavras, das ações e da resistência de tantas e tantas meninas e mulheres que, iluminadas por sua biografia, encontraram sua própria forma de lutar. Os idiotas não sabiam que, ao tombar a árvore, plantariam várias sementes.

Dessa forma, por mais que a ausência dela tenhas sido sentida não apenas no dia de hoje, mas em todos os outros dias, a resistência mostrou aos velhacos da banda podre do Estado que eles falharam vergonhosamente.

Pois, ao tombar uma árvore inadvertidamente, acabaram plantando várias sementes.

Em tempo: Causa espanto que uma linha de investigação trabalhe com a hipótese de que não houve mandante, apenas o ódio solitário de Ronnie Lessa. Os interessados na morte de Marielle agradecem.