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Leonardo Sakamoto

Governo precisa atacar principal causa da destruição da Amazônia: ele mesmo

O presidente Jair Bolsonaro e o vice Hamilton Mourão  - Dida Sampaio/Estadão Conteúdo
O presidente Jair Bolsonaro e o vice Hamilton Mourão Imagem: Dida Sampaio/Estadão Conteúdo

Colunista do UOL

11/07/2020 03h12

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Qualquer investidor de fundo internacional que tiver o mínimo de senso crítico não vai acreditar no teatro montado pelo governo federal para convencer que o país está preocupado com o salto no desmatamento da Amazônia e que fará tudo ao seu alcance para diminui-lo.

Uma parcela dos donos e diretores de grandes empresas no Brasil entendem o tamanho do enrosco em que o país está se metendo e avisaram ao vice-presidente, Hamilton Mourão, que já está entrando menos dinheiro porque o naco racional do mundo financeiro e seus trilhões de dólares não quer se queimar junto com nosso negacionismo ambiental.

No que pese a resposta macia do general, a chance da Presidência da República entender que é preciso que o país volte à rota de redução no desmatamento e nas queimadas no curto prazo é insignificante.

Caso esses empresários se vestissem com cores berrantes e postassem vídeos xingando jornalistas e defendendo cloroquina no Instagram, ou declarassem que mais valem empregos do que vidas durante a pandemia, certamente seriam ouvidos. Se pagassem disparos em massa feitos no WhatsApp, mais ainda.

Além desses, os "empresários" que têm sido incentivados pelo governo são grileiros de terras públicas, madeireiros ilegais, garimpeiros ilegais e pecuaristas que desmatam ilegalmente. Em nome deles, Jair Bolsonaro enfraqueceu Ibama, ICMbio, Incra e Funai, como fez com tantas outras instituições de monitoramento e controle da República. São aliados de primeira hora do governo e parte de sua base estridente de sustentação.

E se não houver o devido cuidado, a fiscalização que resgata trabalhadores escravizados - um dos "operadores" do desmatamento amazônico - vai para o mesmo buraco.

Se o país quisesse realmente fazer a diferença nessa área, começaria trocando aquele que tem sido o mais competente dos ministros de Bolsonaro, Ricardo Salles, do Meio Ambiente. Ele não é burro, muito menos circense e está entregando aquilo que prometeu ao presidente e ao naco arcaico dos ruralistas. A proposta de aproveitar a pandemia, enquanto imprensa e sociedade estão preocupadas com mortos e doentes, para "passar a boiada" contra normas ambientais é deprimente, mas objetiva e eficaz.

Não apenas, contudo. É muita ingenuidade acreditar que os problemas ambientais são fruto da ação de uma única pessoa. Para evitar a contaminação por agrotóxicos, garantir direitos de comunidades tradicionais e afastar a imagem de país terraplanista climático, também deveriam ser substituídos a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, e o secretário de Assuntos Fundiários, Nabhan Garcia, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e um rosário de ministros militares que encarnam a paranoia de que a Amazônia vai ser internacionalizada.

(Desculpe, mas ela já foi. Com o apoio da ditadura militar que eles tanto defendem. Quando a região foi integrada ao mercado global com pilhagem de recursos naturais sem que houvesse o devido retorno às populações locais.)

Além disso, o governo deveria garantir que a fiscalização ambiental pudesse agir sem ser desautorizada pelo próprio presidente da República. E interromper a pressão para aprovar leis que facilitam a legalização da grilagem no Congresso Nacional. E abandonar a intenção de minar os instrumentos de medição do desmatamento - a queda do presidente do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) não será o último ataque à instituição. A questão não é proibir queimadas legais por 120 dias, como sugere o governo. Mas permitir que fiscais tenham toda a estrutura para fazer valer a lei. Com um governo que exija o pagamento das multas aplicadas, ao invés de fazer vistas grossas.

Em suma, a cúpula do governo não precisa de nenhum grande plano, apenas parar de atrapalhar.

Isso funcionaria mais do que despejar militares não treinados em operações de Garantia da Lei e da Ordem para atividades que pessoal especializado da área ambiental do governo deveria fazer.

Desde 2003, coordeno equipes de jornalistas que rastrearam mais de 1700 unidades produtivas, a maior parte delas na Amazônia, para desvendar o destino de mercadorias produzidas com danos ambientais, trabalho escravo e ataques a populações indígenas. Muita coisa mudou por conta da revelação desses dados. Posso dizer que nossas cadeias estão conectadas a redes de produção globais e podem ser sim afetadas por decisões externas.

Podem, não necessariamente irão. A chance do governo dar uma guinada real e não cosmética em suas atitudes por conta própria é menor que a de um boi nelore escalar uma castanheira. É difícil imaginar que este governo vá contra sua natureza e dê às costas para seus apoiadores radicais.

Vai depender de ação redobrada de outros atores - um misto de pressão, prejuízo e muito trabalho das instituições de fiscalização do Executivo. Não se trata apenas da queda de Salles, mas sim de uma mudança na política de terra arrasada que, em ultima instância, parte da cabeça e das promessas de Bolsonaro.

É uma boa hora, portanto, para que elas provem que realmente estão funcionando. E que mais empresários racionais mostrem que queimar uma fortuna em biodiversidade e implodir pontes comerciais é coisa de idiota.